Foi o David mesmo que escreveu. Na casa dele, o consumo etílico atravessava fases. Agora, estava na fase limoncello. Justo quando eu lidava com um limoncello do Pato e um da Gio aqui na geladeira. A Gio inclusive mandou pra ele e pra Marcinha uma garrafa...
Por aqui também temos as fases. Peachtree congelado, cachaça, negroni, Pinot Noir, singlemalt. Só espumante que não tem fase. É a toda hora e sempre.
Pois estou há alguns meses na fase dos chopes cremosos. Ironia do destino, enquanto nosso cronista mais querido lutava por cada instante de vida, eu só pensava na bebida preferida dele, os chopes cremosos - que normalmente antecedem a fase do Submarino (aos desavisados: quando a gente agrega um copinho de steinhagger ao caneco de chope, temos o submarino).
Desde quando estou assim? Agora que me veio o estralo. Por mais uma ironia do destino, começou em uma dica de série do David (o cronista, ele pode estar longe, mas, pro leitor, está bem pertinho, nos guiando a cada dia). Foi ele que indicou Babylon Berlin, verdadeiramente a última grande série que passou na nossa TV.
Babylon Berlin tem muitos chopes e noites bem vividas no enredo. E uma abertura sensacional: uma melodia surreal entrecortada por sussurros em alemão, que tomaram conta da minha mente por algumas semana. Foi então que num rolê cachorreiro eu encontrei a Cacá do Cobi e ela começou a elencar as maravillhas dos botecos alemães da cidade. Wunderbar, Prinz, Chopp Stubel, Tartare, Walter!!! Minha mente, que não pede licença pra viajar, preencheu todos os sussurros da abertura de Babylon Berlin com nomes de bares alemães de Porto Alegre. Cheguei a gravar uma versão assim no celular...
É desde então que sonho com chopes cremosos. E tem sido no Lilliput (outrora um templo para nosso querido cronista que recém perdemos), hoje reaberto na Vasco da Gama, que venho buscado meus chopes cremosos.
O chope do atual é muito bom. Como no da Fernando Gomes, servido em estreitos copos highball. Três goles e, pum, se termina o chope. Por isso mesmo ele fica sempre cremoso. Compadre Gustavo detestou. E veio com um causo alemão, quando a turma dele foi servida em canecos de 700ml e um dos rapazes perguntou se não tinha doses menores.
- Não, a gente não serve crianças aqui - respondeu o garçom.
A diferença do atual chope do Lilliput para o que alimentou longas rodas na década de 2000 é que agora a taça não é mais de cristal. A operação não comporta, disse o dono do bar. E, no outro dia, em outro rolê cachorristico, o querido Felipe di Sicca, que sabe tudo de cozinha e de operação, me confirmou: é verdade: quebra tudo, a operaçâo não comporta...
Triste. Porque qualquer coisa fica melhor em copo de cristal: Coca-Cola, Cerveja, Suco, Chopes Cremosos. E, antes que venha a turma do Que Frescura, já intico com a turma da cerveja artesanal. A verdade é que o chope Brahma cremoso, na pressão!, três dedos meus ou quatro dedos teus de espuma, é melhor do que qualquer cerveja artesanal tirada feito mijo num barzinho de galpão.
Simplesmente porque a consistência do chope bem tirado é infinitamente superior à consistência xixi. A cerveja mijo está para o líquido, assim como o chope cremoso está para o plasma. Veja o garçom vindo de longe, passos largos, seis tulipas numa bandeja. Se a bebida se derrama em pingos e suja o chão, o copo, tudo: é cerveja, guaraná, pipi, qualquer coisa. Se uma espuma espessa salta dois dedos para fora do copo e cai de volta nele fazendo tchibum, em perfeita harmonia com as leis da gravidade e da inércia, espraiando menos líquido do que o mergulho daquela chinesinha do salto ornamental, então é chope cremoso.
Talvez nem precise ser Brahma. É possível que o método xixi de extrair seja uma pura invenção dos cervejeiros contemporâneos. Lembro de uma curta temporada que passei em Oxford. Antes de embarcar, de todo mundo, ouvi: toma uma Guiness por mim, toma uma Guiness por mim...
E tomei: uma, duas, três, dez: sempre o mesmo xixi amargo. Um dia, era três da tarde, a umas duas horas do anoitecer, resolvi pegar um caminho pelo interior da cidade histórica. Foi quando me deparei com um pub realmente raiz. Eu sabia que era raiz, porque ali não tinha estrangeiro, acho que nem nome tinha, mas era bastante gente sentada na rua, em volta daquele fireplace de carvão australiano, o que queima horas e não esquenta nada. Eu tinha de tomar mais uma Guinness ali. Eu tinha de tentar.
Adivinha? Ela veio cremosa. Ela enchia e acariciava minhas bochechas. Ela fazia barulho ao ser sorvida. E não era preta. Era cor de café torra suave. Tudo fazia sentido com ela: até a medida exagerada de um pint. Foi decerto a melhor cerveja que já tomei. Era a mesma Guinnes amarga, mas agora bondosa, suavizada pela pressão.
O que será que o nosso mais amado e etílico cronista diria disso? Não sei, ele se foi e não perguntei. Mas diria pra você não desperdiçar chopes cremosos, limoncellos licorosos, submarinos sedosos.
Tim-tim, David, vai em paz.