sábado, março 16, 2024

sexta-feira, março 15, 2024

Do neida

Do neida, toalhas desbordadas.
Do neida, lágrimas quentes.
Do neida, dor lancinante.
Do neida, no colo da filha.
Do neida, cama, pão, salame.
Do neida, torto na rua.
Do neida, cruzando a noite.
Do neida, pobre(s) criatura(s)
Do neida, xeque-mate com água.
Do neida, droga e salada.
Do neida, tecnobloco no pique.
Do neida, bafejo do samba.
Do neida, colchão e tapete.
Do neida, minha toca.
Do neida, eu e eu.
Do neida, do neida...



quinta-feira, março 14, 2024

É doido, né, Lari?

Do nada, apareço
Um dia anverso,
Outro do avesso.

quarta-feira, março 06, 2024

Fernet-Cola (editado)

Até ontem eu dizia que não estava pronto para qualquer coisa que não fosse suave e na rua, vendo a paisagem passar, talvez num barzinho destes de calçada.

Mas então a Isabel me levou a um boteco na Praça Garibaldi, arrisquei entrar pra um pipizinho, e a primeira bafejada de samba, ouriço e suor na fuça funcionou como um jato de Jimo Penetril Desengripante em uma sólida engrenagem Klingelnberg, que só estava meio enferrujada, mas era feita do mais resistente aço alemão, dotada de um mecanismo preciso para rodar no ritmo do samba, do Fernet-Cola e do Xeque-Mate.

Então, eu olho em volta e, do neida, beijo triplo, quádruplo, os caras, as minas, elus todes... E era como se eu tivesse dado 20 voltas ao mundo e chegado no mesmíssimo 15 de novembro de 2003, logo depois do primeiro beijo que definiu duas décadas de vida. Assim, descrevi, no post sobre essa conquista, o momento que a sucedeu, na buate, com as amigas:

_Beija, beija, tá calor, tá calor! Baba, baba, sem amor, sem amor! Lambe, lambe, sem pudor, sem pudor!_

Agora na Praça Garibaldi, era como se nada tivesse mudado, senão eu. Como se eu tivesse saído da festa na Plataforma 15 de Novembro, embarcado no metrô, vagado vinte anos pela cidade com ela, depois com nossos pequenos, e sido expelido na mesmíssima plataforma. E ali estavam todos os brincantes, ainda me esperando.

Quando desembarquei, quem me deu a mão foi bem a amiga que deu tchau e desejou tudo de bom e de melhor em 2003.

-Foi bom o rolê? Também dei uma voltinha, mas eles ainda estavam aqui, nos esperando...

Obrigado, amiga.

---

(Para o post original, voltar a dezembro de 2003)

sábado, setembro 23, 2023

Atormentado

Eu devia ter medo de temporal. Muito. Quando tinha 3 ou 4 anos, fiquei um dia aos cuidados de minha avó - não era comum, mas eu estava de novo com amigdalite e faltei à aula. Naquela tarde, veio uma tormenta de primavera daquelas. A vó entrou em transe e começou a rezar freneticamente, terço na mão, absolutamente alheia ao neto. Me senti sozinho e esquecido. Traumatizei. 

Também tinha as tias que cobriam os espelhos no temporal. Pra quê?

Um dia entendi melhor o pavor da vó. A familia dela tem campo num lugar chamado Cândida Vargas. Perto de Itacurubi e Unistalda. Em um desses anos, não faz muito, saiu aqueles mapas oficiais das cidades mais atingidas por raios em 12 meses. As duas constavam nos Top 5 do Brasil. Nunca soube se era uma coincidência no ano ou condição geográfica e geológica permanente. Sei que lá de fato as tormentas assustam.

Herdei do meu pai o oposto do que traumatizei com a vó. Quando o dia virava noite, ele ia pra janela e ficava olhando admirado a chuva e os raios. Que linda a natureza! Que venha água! Agora tudo vai verdejar! É lindo, do topo de um edifício de concreto bem armado. Mas a casa lá de fora (a mesma que ninha avó morou) parece recheada de barro. O pararraio é um cabo torto que corre a meio palmo da parede externa. Eucaliptos do potreiro são queimados por raios. E todo ano se perde alguma rês. Última tormenta que presenciei, me enfiei debaixo das cobertas, mas a cama e a parede tremeram com o estrondo de um raio que deve ter caído ou no pararraio ou a menos de 50 metros da casa. Ninguém gritou nem falou nada na hora. Silêncio total. Só uns 30 segundos depois as pessoas começaram a se mexer e comentar? Tu viu este??? Tu viu??? Como se desse pra não ter "visto"...

Também, outra vez, choveu muito quando a peonada estava lidando no campo. Quem conhece o ritmo do Pampa sabe que o tempo passa diferente por lá. Gauchada não aperta o trote, o papo, o mate, a carne no fogo. Ninguém sai correndo pelas coxilhas como em filme de bangue-bangue. A vida no campo não é um faroeste. É mais ou menos como um filme japonês - devia ser Kurosawa - que vi com minha mãe quando adolescente e traumatizei (traumas, traumas, Freud me acode!)... A câmera parou numa rã coachando e ali ficou por uns cinco minutos. Assim é o ritmo do homem do campo. O ritmo da natureza. Mas um dia estavam de 'a cavalo', longe das casas, quando se armou a tormenta. Um raio caiu a menos de 100 metros da gente. Deu aquelale clarão, um cavalo rodou, e a peonada começou a galopar freneticamente pras casas. Meu coração saía pelas orelhas. Lembrava um pouco os veranista fugindo em desordenado bando da praia quando o céu escurecia. 

Na praia, aliás, a tormenta dá um misto de medo com excitação. Por um lado, a vontade de entrar no mar,  neutralizar os pingos grossos da chuva. Por outro, o medo racional dos raios. Recordo de um verão lá peloscanos 90, quando chegou a notícia de que um homem morrera de raio na praia grande de Torres. Isso foi minutos depois logo de eu ter corrido da areia da mesma praia e ido pra casa. A noticia veio no rádio de pilha da cozinheira da minha tia, porque o bairro inteiro ainda estava sem luz. Lembro da varanda em que estava quando me contaram e da sensação palpável de que o risco era real. 

Hoje, quando estou na cidade, tenho o fascínio do meu pai pela tormenta. Quando estou na praia ou no campo, um misto de fascínio com pavor. É nesta hora que gostaria de ter um recurso que a vó tinha, mas me falta: Fé.

sexta-feira, agosto 11, 2023

La Pastora

Tenho vontade de mandar meus pastores dar um rolê com passeador algum dia. Só pra ver eles no meio da matilha e dizer: 'olha: ali se vão meus pastores em alegre bando'.

Mas na verdade, nossa rotina tem sido assim: 9h da manhã levo eles na Sheeps Square. Eles sempre fazem número 1 e número 2, não raro Teo e Ive ao mesmo tempo. Assim que finalizam esta tarefa, eu pego as bolinhas de tênis e dou um pau de brincadeiras neles. Correm, correm, correm. Até semana passada, corriam e se matavam a unhas e dentes mesmo, brigando pela bolinha. Agora que descobri que se eu atirar duas bolinhas ao mesmo tempo não dá mais briga, minha vida e meus passeios deram um salto de qualidade incrível. 

A Sheeps Square se tornou o lugar ideal para eu levá-los. Conta com infraestrutura completa: grades para impedir que fujam, nove bolinhas de tênis à disposição dos tutores, um frisbee, saquinhos para recolher cocô, quatro bebedouros feitos de garrafas pet ressignificadas, taquareiras que protegem da chuva.

Para uma pessoa esquecida como eu, que nunca lembrava de levar brinquedo para o parque, isso representou um novo patamar de fruição do tempo com os caninos. E uma sensível melhora na minha relação com eles. 

Depois de correrem até se estrebucharem, eles deitam na grama e colocam a língua para fora. Eu me sento junto por uns 5 minutos e apenas os admiro. 

São apenas 20 minutos de correria por dia, que aparentemente saciam a necessidade dos pastores de gastar energia. Eles passam então o dia muito tranquilos em casa.
Lá por volta das 17h/18h que começam a se agitar e ter vontade de dar vazão às suas necessidades fisiológicas. É quando rola um conflito familiar, porque nosso filho fica se fazendo de surdo pra passar bem e evitar a responsabilidade de passear.

Ainda que dêem um quarto de volta ou volta inteira na quadra às 18h, lá pelas 22h, os prendemos na área externa da cobertura, para caso queiram fazer um último xixi ou cocô. Eles protestam, até encher nosso saco e a gente liberá-los pra ver série com a gente no sofá.

À noite, eles dormem muito tranquilo. Escolhem um cantinho no chão ou numa cama e não incomodam (só o gato incomoda). 

Sempre digo que los pastores da xetlândia não são como os border cóllens, que têm energia inesgotável. Vinte minutos de bolinha são suficientes para acalmá-los por 24h.

Espero que aproveitem este relato. Ninguém perguntou, mas eu respondi.

sábado, fevereiro 25, 2023

Qual a melhor coleira: Leevre ou Seresto


A Seresto da Pastora tinha vencido, e eu precisava substituir. Estava na praia, pedi para a minha pecuária favorita, mas eles só tinham Leevre. 

Perguntei aqui no grupo Shelties Brasil se servia, me disseram que sim. Não era o mesmo princípio ativo ("PA", falaram, e eu não entendi), mas tinham os mesmos propósitos e eficácia semelhante.

Seresto tem Imacloprida e Flumetrina. Leevre tem Deltametrina. Seresto é da Elanco. Leevre é da Ourofino. Seresto custa 220. Leevre custa 150. Seresto é contra pulgas e carrapatos. Leevre é contra pulgas, carrapatos e mosquitos-palha. Ali na praia tem muito mosquito e pouca palha, porém.

O único senão, me disse a Mondaini, é que Leevre tem um cheiro forte. Muito forte?, perguntei. Forte. Tanto assim? Forte. Muito muito? Forte. Mas melhoraria, um pouco, com o tempo, explicou.

Sou um cara fiel. Não quis trair a pecuária que me salvou muitas vezes no ano passado, quando levei a ninhada pra praia. Me leevrei do medo e dos preconceitos e comprei uma Leevre.

Quando abri a lata da coleira, foi como abrir uma lata de JIMO GÁS FUMEGANTE. O cheiro era tão forte, que dava tontura. Fiquei com medo de desmaiar, de ter choque anafilático. Minha glote, minha glote! Será que inchou? Não, era só o cheiro, tava tudo bem...

O odor era de menta com fumaça. Logo que a gente instala, já toma conta do corpo do cão. Ele passa a exalar o cheiro da coleira. A Rafa, minha esposa, diz que a Ive tá fedendo a Neocid. Neocid era um inseticida comum dos anos 80. 

A gente agora sente quando a pastora se aproxima a uma distância de três metros. Dá pra saber direitinho se ela está dormindo embaixo da cama. 

Ia melhorar com o tempo, disse a Mondaini. E de fato, fica mais suave - pra ser mais preciso, menos forte. Em determinado momento, eu estava quase gostando. Me acostumei e já voltei a afofar a peluda. Mas, ao passar dos dias, vão também surgindo novas notas aromáticas. Por exemplo: enxofre. Agora, ela se aproxima e alguém já pergunta: "tu peidou"?

Segundo a Rafa, é cheiro de Borregaard. Todo mundo que viveu os anos 80 em Porto Alegre sabe o que é "cheiro de borregar", um aroma de pum exalado pelas chaminés da papeleira então da Borregaard, do outro lado do Rio Guaíba, mas que, dependendo do vento, tomava conta de Porto Alegre inteira, submentendo a população a viver sob uma nuvem de peido. 

Agora, minha Ive é uma nuvenzinha de menta, fumaça e borregar vagando pela casa. Vou dar mais umas semanas, confiando na Carol, de que melhora com o tempo. Mas já não tenho muitas esperanças.

É quase certo que vou me leevrar da Leevre e colocar uma boa e inodora Seresto na minha pastora.