Dia desses, aprendi, uma amiga podre de bagaceira me ensinou, uma expressão de baixíssimo calão que eu adorei. É o seguinte: cu de bobs. Tipo, meu cu de bobs, teu cu de bobs. Enfim, uma variação de pau de óculos.
***
No Google "pau de óculos" tem 531 citações, enquanto "cu de bobs", só duas. Uma puta injustiça mesmo. Porque, pô, cu de bobs tem fundamento. Sabe bobs, né, aqueles rolos que as véias botam no cabelo... E sabe cabelo de cu, né, bem enroladinho... Pois é. Tudo a ver.
***
Sem contar a sonoridade. Cu de bobs. Três sílabas curtas e secas, uma atrás da outra. Um monte de consoante. Repete aí, bem rapidinho: cu de bobs. Legal, né?
***
Estou tão indignado com o fato de cu de bobs não ter ganho o mundo que começo uma cruzada para que se dissemine. Ou ao menos para que se reduza a diferença entre pau de óculos e cu de bobs na Internet. Cu de bobs. Cu de bobs. Cu de bobs.
***
Meu pau de óculos é teu cu de bobs!
"Não leio blogs; só o do Tião, porque é relevante", Filipe Maia, jornalista. "Às vezes o Tião escreve direitinho", Daniel Gallas, presidente. "Não gostar do Tião é uma falha de carácter", Rodrigo Müzell, jornalista. Sebastião Ribeiro é jornalista e mora em Porto Alegre. Leva uma vida pacata com a mulher e dois filhos em um apê no alto Rio Branco. A propósito, teu cu de bobes.
quinta-feira, dezembro 29, 2005
sábado, dezembro 24, 2005
Tu passas pela frente de qualquer loja de roupas masculinas e à porta estão aqueles oito lobos asquerosos a postos. Seres peludos, cabelo sempre seboso e empapado de gel, a gravata de décima quinta categoria alinhada no colarinho. Basta o cliente colocar meio pé dentro da loja que um já se apresenta para tornar a compra um ato de desgosto. Posso lhe ajudar? O que o senhor quer? É um presente? Para quem? Temos estas bermudas, uma beleza. Ah, o senhor só quer olhar? Então olha esta camiseta, que malha! O senhor sabe que aqui só trabalhamos com coisa de primeira... Argh, que asco, que náusea!
Eu compro só para me livrar do cara e chegar logo ao balcão, onde invariavelmente há uma mulher, Sensação na caixa de bombons, que me permite respirar. Mas mesmo aí o lobão chato, sapato de bico quadrado, sempre volta para perguntar se eu tenho certeza de que não quero mais nada, quem sabe aquela pólo.
Agora, alguém me explica: por que os caras acham que homens vendem melhor do que mulheres? Imagina entrar numa Brooksfield, Via Veneto, Homem e ter uma loira peituda para te atender. As vendas triplicariam. Uma gostosa dizendo “o senhor está muito elegante com esta gravata”, mesmo que seja mentira, é o suficiente para colocar qualquer macho no chão, no vermelho. Nas revendas de automóveis, as moças já são quase maioria, por que nas lojas de roupas o império é dos peludos, chatos e sebosos?
Ontem, eu queria comprar uma camiseta na Hering do Praia de Belas. Antes de entrar, pela vitrina, conferi o time de atendentes. Dois barbados e três mocinhas. Vocês podem achar que é mentira, folclore pro blógui, mas passei cinco vezes em frente à loja antes de entrar, esperando um momento em que os dois estivessem ocupados e elas de mão abanando.
Por isso eu amo comprar roupinhas para a Rafa. Nestas lojas de meninas, há sempre muitas atendentes queridas dispostas a te ajudar. E na grande maioria das vezes te deixando à vontade, relaxado para meter a mão nas araras, fazer pré-seleções antes de consultá-las. Depois, elas vêm sorridentes e saltitantes e faceiras para te dar opiniões, explicar como funcionam os tamanhos femininos, que roupa combina com peitinho, que roupa combina com peitão. E então o legal é reunir três, quatro delas e formar uma comissão para escolher a roupinha mais legal para a tua amada. Com alguma sorte, uma se oferece para provar – e elas adoram provar – e veste uma duas, três das tuas escolhas. E fica aquela galinhagem gostosa, a gente paga com gosto e volta pra casa com a sensação de que a vida vale a pena.
Eu compro só para me livrar do cara e chegar logo ao balcão, onde invariavelmente há uma mulher, Sensação na caixa de bombons, que me permite respirar. Mas mesmo aí o lobão chato, sapato de bico quadrado, sempre volta para perguntar se eu tenho certeza de que não quero mais nada, quem sabe aquela pólo.
Agora, alguém me explica: por que os caras acham que homens vendem melhor do que mulheres? Imagina entrar numa Brooksfield, Via Veneto, Homem e ter uma loira peituda para te atender. As vendas triplicariam. Uma gostosa dizendo “o senhor está muito elegante com esta gravata”, mesmo que seja mentira, é o suficiente para colocar qualquer macho no chão, no vermelho. Nas revendas de automóveis, as moças já são quase maioria, por que nas lojas de roupas o império é dos peludos, chatos e sebosos?
Ontem, eu queria comprar uma camiseta na Hering do Praia de Belas. Antes de entrar, pela vitrina, conferi o time de atendentes. Dois barbados e três mocinhas. Vocês podem achar que é mentira, folclore pro blógui, mas passei cinco vezes em frente à loja antes de entrar, esperando um momento em que os dois estivessem ocupados e elas de mão abanando.
Por isso eu amo comprar roupinhas para a Rafa. Nestas lojas de meninas, há sempre muitas atendentes queridas dispostas a te ajudar. E na grande maioria das vezes te deixando à vontade, relaxado para meter a mão nas araras, fazer pré-seleções antes de consultá-las. Depois, elas vêm sorridentes e saltitantes e faceiras para te dar opiniões, explicar como funcionam os tamanhos femininos, que roupa combina com peitinho, que roupa combina com peitão. E então o legal é reunir três, quatro delas e formar uma comissão para escolher a roupinha mais legal para a tua amada. Com alguma sorte, uma se oferece para provar – e elas adoram provar – e veste uma duas, três das tuas escolhas. E fica aquela galinhagem gostosa, a gente paga com gosto e volta pra casa com a sensação de que a vida vale a pena.
quarta-feira, dezembro 21, 2005
Do churrasco
Dos experts
O pai de uma amiga é um alemonzon daqueles bonachon e que diz fazer um dos melhores churrascos da praça. Coloca na mesa uma picanha cinza de tão passada e uma costela mugindo de tão crua (e ainda exige elogio). Daí, e somente daí, eu concluir que churrasco não é coisa pra gringo, mas sim pra pêlo-duro.
Da escolha da carne
Hoje em dia não tem erro. Tem tanta carne boa, de novilho, embalada a vácuo, que não tem porque espremer os olhinhos atrás do balcão do açougue. Novilho Jovem, Pul (uruguaio), Angus Zaffari, Mercosul... são muitas as opções certeiras. Prefira os cortes menores, indício de que o animal era mesmo novo. Na picanha, não dispense a camada de gordura. Na costela, escolha as bem vermelhas entremeadas por gordurinhas bem brancas. No salsichão, evite aquelas tripas de procedência duvidosa, vá no Dália e acredite: os mais caros são mesmo os melhores.
Dos procedimentos
Tem gente que tem obsessão em tirar gordurinhas; prefere esfacelar a carne a assá-la; fica compulsivamente picoteando,esfaqueando os cortes sem parar. Ontem, fui a um churrasco do qual sobrou um saco inteiro de gordurinhas! Pelo amor de Deus, isso é coisa do passado, de quando as carnes eram de bois de oito, mais anos, com suas banhas amarelas, fartas e catinguentas. Os eventuais pedacinhos de gordura nos cortes de qualidade hoje em dia só enobrecem a carne, dão sabor.
Do sal
Outra obsessão dos churrasqueiros – exceto os pêlos-duros – é fazer milhões de furos na carne para o sal “penetrar”. O resultado é sempre os cortes desfigurados e excessivamente salgados. Pelamordedeus, de novo, deixem a carne em paz! É apenas largar o sal por cima e se formará uma saudável crosta dourada sobre o churrasco. Não há mistério. Ah, outra coisa, alemoada: o salsishão não se salga, ok?
Do carvão e do fogo
Compre sempre um saco de carvão a mais do que o necessário. Fogo forte é fundamental para dourar os cortes mal passados, assar bem a distante costela, etc...
Do posicionamento dos espetos
O salsichão pode ficar bem baixo, até porque ninguém vai dar bola se ele estiver um pouco torrado. A picanha e a maminha podem ficar em uma altura média, sempre em alto calor. E a costela, esqueça-a lá em cima, osso para baixo maior parte do tempo, enquanto se diverte com o resto. Não banque uma churrasqueira giratória (e a gás, arghhh), deixe cada lado tostar de uma vez.
Do ponto
O ponto. Ah, o ponto é tudo. Cada corte tem o seu. O salsichão pode ser bem passado – não a ponto de virar uma lingüiça fina e seca, mas para que ninguém se surpreenda com um pedaço de gordura duro e desconfortável em meio aos dentes. A picanha é mal-passada mesmo – quase mugindo, ao menos no centro (as pontas mais assadinhas podem ficar para as gurias), embora com entorno dourado. A maminha e o vazio devem assar um pouco mais, contendo sim um pouco de sangue, mas distantes da crueza. A costela é bem passada, quase cozida, assada com paciência, no alto da churrasqueira. Depois de uns cinco minutinhos com a parte da gordura para baixo (para fazer um caldinho), deixe-a quase horas com o osso pegando calor e cozinhando-a por dentro. Depois, é só uma viradinha para cada lado e tudo pronto.
Do corte
Contra a fibra. E com faca bem afiada.
Agradecimentos ao meu pai, Paulo Odone Araújo Ribeiro, ao meu tio, Caio Araújo Ribeiro, e também ao meu brilhante auto-didatismo.
Dos experts
O pai de uma amiga é um alemonzon daqueles bonachon e que diz fazer um dos melhores churrascos da praça. Coloca na mesa uma picanha cinza de tão passada e uma costela mugindo de tão crua (e ainda exige elogio). Daí, e somente daí, eu concluir que churrasco não é coisa pra gringo, mas sim pra pêlo-duro.
Da escolha da carne
Hoje em dia não tem erro. Tem tanta carne boa, de novilho, embalada a vácuo, que não tem porque espremer os olhinhos atrás do balcão do açougue. Novilho Jovem, Pul (uruguaio), Angus Zaffari, Mercosul... são muitas as opções certeiras. Prefira os cortes menores, indício de que o animal era mesmo novo. Na picanha, não dispense a camada de gordura. Na costela, escolha as bem vermelhas entremeadas por gordurinhas bem brancas. No salsichão, evite aquelas tripas de procedência duvidosa, vá no Dália e acredite: os mais caros são mesmo os melhores.
Dos procedimentos
Tem gente que tem obsessão em tirar gordurinhas; prefere esfacelar a carne a assá-la; fica compulsivamente picoteando,esfaqueando os cortes sem parar. Ontem, fui a um churrasco do qual sobrou um saco inteiro de gordurinhas! Pelo amor de Deus, isso é coisa do passado, de quando as carnes eram de bois de oito, mais anos, com suas banhas amarelas, fartas e catinguentas. Os eventuais pedacinhos de gordura nos cortes de qualidade hoje em dia só enobrecem a carne, dão sabor.
Do sal
Outra obsessão dos churrasqueiros – exceto os pêlos-duros – é fazer milhões de furos na carne para o sal “penetrar”. O resultado é sempre os cortes desfigurados e excessivamente salgados. Pelamordedeus, de novo, deixem a carne em paz! É apenas largar o sal por cima e se formará uma saudável crosta dourada sobre o churrasco. Não há mistério. Ah, outra coisa, alemoada: o salsishão não se salga, ok?
Do carvão e do fogo
Compre sempre um saco de carvão a mais do que o necessário. Fogo forte é fundamental para dourar os cortes mal passados, assar bem a distante costela, etc...
Do posicionamento dos espetos
O salsichão pode ficar bem baixo, até porque ninguém vai dar bola se ele estiver um pouco torrado. A picanha e a maminha podem ficar em uma altura média, sempre em alto calor. E a costela, esqueça-a lá em cima, osso para baixo maior parte do tempo, enquanto se diverte com o resto. Não banque uma churrasqueira giratória (e a gás, arghhh), deixe cada lado tostar de uma vez.
Do ponto
O ponto. Ah, o ponto é tudo. Cada corte tem o seu. O salsichão pode ser bem passado – não a ponto de virar uma lingüiça fina e seca, mas para que ninguém se surpreenda com um pedaço de gordura duro e desconfortável em meio aos dentes. A picanha é mal-passada mesmo – quase mugindo, ao menos no centro (as pontas mais assadinhas podem ficar para as gurias), embora com entorno dourado. A maminha e o vazio devem assar um pouco mais, contendo sim um pouco de sangue, mas distantes da crueza. A costela é bem passada, quase cozida, assada com paciência, no alto da churrasqueira. Depois de uns cinco minutinhos com a parte da gordura para baixo (para fazer um caldinho), deixe-a quase horas com o osso pegando calor e cozinhando-a por dentro. Depois, é só uma viradinha para cada lado e tudo pronto.
Do corte
Contra a fibra. E com faca bem afiada.
Agradecimentos ao meu pai, Paulo Odone Araújo Ribeiro, ao meu tio, Caio Araújo Ribeiro, e também ao meu brilhante auto-didatismo.
segunda-feira, dezembro 19, 2005
Isto é que é ecletismo. As seis primeiras músicas executadas na festinha infantil no salão em frente ao meu apê.
1 - "Bate o sino, pequenino, sino de Belém"
2 - "Como se eu fosse flor, você me cheira"
3 - "O movimento é sexy"
4 - "Girls just wanna have fun"
5 - "This is the rythm of the night"
6 - "Piu-piu sem Frajola sou eu sem você"
7 - "Fuma, fuma, fuma folha de bananeira"
Sim, certamente, daqui a pouco vão começar os funks, mas as letras são muito baixas para reproduzir aqui.
1 - "Bate o sino, pequenino, sino de Belém"
2 - "Como se eu fosse flor, você me cheira"
3 - "O movimento é sexy"
4 - "Girls just wanna have fun"
5 - "This is the rythm of the night"
6 - "Piu-piu sem Frajola sou eu sem você"
7 - "Fuma, fuma, fuma folha de bananeira"
Sim, certamente, daqui a pouco vão começar os funks, mas as letras são muito baixas para reproduzir aqui.
Sexta à noite comi um rodízio no árabe (minha mãe sempre disse: não come quibe cru no Baalbek); sábado à tarde sanduíches relativamente bem acondicionados no Paraíso; sábado à noite muita caipira, muito churrasco e muita cerveja. Domingo, enquanto meus amigos pegavam uma prainha, passei o dia na cama de ressaca, uma dor de barriga e disfunção intestinal.
Acordei-me hoje aparentemente sem problemas nos intestinos, mas meu corpo, depois já de 30 horas na cama, dizia: tens de dormir, tens de dormir, tens de dormir. A Rafaela vive criticando que, quando eu estou passando mal, sempre ameaço não ir trabalhar, mas termino na Zero Hora. Para quebrar essa sina, resolvi que desta vez ficaria em casa e dane-se o serviço.
Ocorre que, quando saí da cama, 35 horas depois de entrar nela, bateu uma certa culpa. Será que eu não estava apenas fazendo manha? Não seria só depressão pós-ressaca? E o trabalho lá, parado? E até há pouco sofria com tudo isso.
Foi então que aconteceu uma coisa horrível, que no entanto me aliviou a culpa. Um sinal inconteste de que minha barriga não está trabalhando como deveria, de que qualquer saída para a rua seria temerária, de que fiz bem em ficar em casa.
Claro que vou poupá-los de qualquer relato, amigos.
Acordei-me hoje aparentemente sem problemas nos intestinos, mas meu corpo, depois já de 30 horas na cama, dizia: tens de dormir, tens de dormir, tens de dormir. A Rafaela vive criticando que, quando eu estou passando mal, sempre ameaço não ir trabalhar, mas termino na Zero Hora. Para quebrar essa sina, resolvi que desta vez ficaria em casa e dane-se o serviço.
Ocorre que, quando saí da cama, 35 horas depois de entrar nela, bateu uma certa culpa. Será que eu não estava apenas fazendo manha? Não seria só depressão pós-ressaca? E o trabalho lá, parado? E até há pouco sofria com tudo isso.
Foi então que aconteceu uma coisa horrível, que no entanto me aliviou a culpa. Um sinal inconteste de que minha barriga não está trabalhando como deveria, de que qualquer saída para a rua seria temerária, de que fiz bem em ficar em casa.
Claro que vou poupá-los de qualquer relato, amigos.
sábado, dezembro 17, 2005
terça-feira, dezembro 13, 2005
Saleta de vídeo do antigo colégio de Aplicação, campus central da Ufrgs. É verão, recém saímos da educação física (temos asa) e o locutor da fita explica em off monocórdio o processo reprodutivo dos celenterados – um convite à baderna ou ao sono.
Fosse a Camila Morgado falando dos primeiros dias de Vinícius de Moraes no documentário hoje em cartaz, nossa reação seria a mesma. Definitivamente, não dá para entender por que a colocaram, e o Caco Ciocler, para costurar o filme. Dá a sensação de que é apenas para que constem no cartaz e nas sinopses dois nomes in, já que o do poeta já parece estar out – ao menos comercialmente. Sem contar os tais offs burocráticos do início do documentário: de se esconder atrás da poltrona!
Que tal explorar um pouco mais as imagens de arquivo, no lugar de Morgados, Ciocleres, Pagodinhos e... como é mesmo o nome daqueles rappers que aparecem cantando? Será que Vinícius não se remexe em sua tumba? Talvez não. Mas eu, da minha cadeira do Guion, sim.
Na crítica da Zero Hora, o Márcio Pinheiro reclamou que faltaram depoimentos de alguns filhos, deixados de lado. O Márcio sabe quem são os filhos do Vinícius e o que acrescentariam. Eu, não. Mas sei que eles só melhorariam o filme. Porque o que falta são justamente depoimentos íntimos, histórias sobre o Vinícius pai, amante, esposo, ser humano. Algo além do estereótipo de músico com o copo de uísque e violão, que é bastante, mas não tudo.
Cada vez que alguém conta uma história, um momento íntimo da vida do Vinícius (e o Chico Buarque relata vários), parece que chegamos um pouquinho mais perto dele. Cada vez que o Caco e a Morgado dizem um poema - alguns bem, outros mal recitados -, interpretam uma cena ou um lêem um off, nos distanciamos do poeta. Sem contar que alguns depoimentos – como o do Gilberto Gil – parecem estar ali só para inglês ver (literalmente, porque, afinal, o filme precisa ganhar o mundo).
E assim, é o documentário sobre Vinícius. Médio. Aliás, já que começamos lembrando do Aplicação, vamos terminar do mesmo jeito. Nos “conselhos de classe participativos”, tinha um conceito (avaliações com notas numerais eram proibidas) que eu daria sem medo pro filme: “o aluno (aqui, poderia ser o documentário) apresenta um desempenho razoável, alternando entre bons e maus momentos”. Aliás, os professores adoravam me dizer isso.
Fosse a Camila Morgado falando dos primeiros dias de Vinícius de Moraes no documentário hoje em cartaz, nossa reação seria a mesma. Definitivamente, não dá para entender por que a colocaram, e o Caco Ciocler, para costurar o filme. Dá a sensação de que é apenas para que constem no cartaz e nas sinopses dois nomes in, já que o do poeta já parece estar out – ao menos comercialmente. Sem contar os tais offs burocráticos do início do documentário: de se esconder atrás da poltrona!
Que tal explorar um pouco mais as imagens de arquivo, no lugar de Morgados, Ciocleres, Pagodinhos e... como é mesmo o nome daqueles rappers que aparecem cantando? Será que Vinícius não se remexe em sua tumba? Talvez não. Mas eu, da minha cadeira do Guion, sim.
Na crítica da Zero Hora, o Márcio Pinheiro reclamou que faltaram depoimentos de alguns filhos, deixados de lado. O Márcio sabe quem são os filhos do Vinícius e o que acrescentariam. Eu, não. Mas sei que eles só melhorariam o filme. Porque o que falta são justamente depoimentos íntimos, histórias sobre o Vinícius pai, amante, esposo, ser humano. Algo além do estereótipo de músico com o copo de uísque e violão, que é bastante, mas não tudo.
Cada vez que alguém conta uma história, um momento íntimo da vida do Vinícius (e o Chico Buarque relata vários), parece que chegamos um pouquinho mais perto dele. Cada vez que o Caco e a Morgado dizem um poema - alguns bem, outros mal recitados -, interpretam uma cena ou um lêem um off, nos distanciamos do poeta. Sem contar que alguns depoimentos – como o do Gilberto Gil – parecem estar ali só para inglês ver (literalmente, porque, afinal, o filme precisa ganhar o mundo).
E assim, é o documentário sobre Vinícius. Médio. Aliás, já que começamos lembrando do Aplicação, vamos terminar do mesmo jeito. Nos “conselhos de classe participativos”, tinha um conceito (avaliações com notas numerais eram proibidas) que eu daria sem medo pro filme: “o aluno (aqui, poderia ser o documentário) apresenta um desempenho razoável, alternando entre bons e maus momentos”. Aliás, os professores adoravam me dizer isso.
segunda-feira, dezembro 12, 2005
Andréa - PARTE 2
Cincoenta reais...
Cincoenta reais...
Cincoenta reais...
Cincoenta reais!
Aquilo caiu sobre minha cabeça como o fardo cai na cuca do estivador. Tonteei, tive de segurar um grito estridente na goela, controlar o impulso de abrir a porta de Andréa e tirar as caras. Fiz um esforço descomunal para manter um ar despreocupado, de “só isso?”, assinei o cheque e dei boa tarde.
Cincoenta reais! Dezesseis cervejas no Ladislau. Cincoenta reais! Dois boquetes e meio na Farrapos. Cincoenta reais! Dez diárias de clássicos na Back Vídeo. Cincoenta Reais! Churrasco de picanha pra dez. Cincoenta reais! Complete a lista.
Entrei no carro atônito, esqueci meu destino. Aos poucos, acalmei - afinal, entre 50 e 30 são só 20. E também não podia dizer que as mãos de Andréia não eram gostosas, que Andréa não manejava bem a tesoura, que meu penteado não estava cool. Mas daí a deixá-las me lograr já era demais.
Pensei em escrever uma carta (Andréa, legal tua tattoo e bacana aquele esqueminha que fazes com a tesoura, mas não achas que Cincoenta é um abuso?), em iniciar uma pesquisa em todos os coiffeurs chiques de POA para provar que a conta foi um tanto injusta, em denegrir a imagem de Andréa pelos bares da vida.
Mas logo veio a vergonha. Eu fora um babaca. Mais um otário seduzido pelo glamour do Sexton. Como o tal que caiu no golpe da loteria, tinha de silenciar. Mesmo se perguntado, negar categoricamente ter pago 50 para Andréa (aliás, será que meu primo não pagou R$ 50 prá Baiana e só estava com vergonha de dizer), sob pena de ser alvo de chacota na CB.
Por fim, decidi me abrir. Preciso mesmo desabafar, dividir meu drama, receber o ombro amigo, tirar este fardo da minha cabeça. Já à noite, no bar do Ladislau, gritei para quem quisesse ouvir: “sim, eu paguei R$ 50 para cortar o cabelo, este mesmo cabelinho que vocês estão vendo”.
E agora estou aqui, num ato de bravura, confessando tudo. Venham com pedras ou com palavras amigas. Só sei que me sinto mais leve. Quase voltando na Andréa.
Cincoenta reais...
Cincoenta reais...
Cincoenta reais...
Cincoenta reais!
Aquilo caiu sobre minha cabeça como o fardo cai na cuca do estivador. Tonteei, tive de segurar um grito estridente na goela, controlar o impulso de abrir a porta de Andréa e tirar as caras. Fiz um esforço descomunal para manter um ar despreocupado, de “só isso?”, assinei o cheque e dei boa tarde.
Cincoenta reais! Dezesseis cervejas no Ladislau. Cincoenta reais! Dois boquetes e meio na Farrapos. Cincoenta reais! Dez diárias de clássicos na Back Vídeo. Cincoenta Reais! Churrasco de picanha pra dez. Cincoenta reais! Complete a lista.
Entrei no carro atônito, esqueci meu destino. Aos poucos, acalmei - afinal, entre 50 e 30 são só 20. E também não podia dizer que as mãos de Andréia não eram gostosas, que Andréa não manejava bem a tesoura, que meu penteado não estava cool. Mas daí a deixá-las me lograr já era demais.
Pensei em escrever uma carta (Andréa, legal tua tattoo e bacana aquele esqueminha que fazes com a tesoura, mas não achas que Cincoenta é um abuso?), em iniciar uma pesquisa em todos os coiffeurs chiques de POA para provar que a conta foi um tanto injusta, em denegrir a imagem de Andréa pelos bares da vida.
Mas logo veio a vergonha. Eu fora um babaca. Mais um otário seduzido pelo glamour do Sexton. Como o tal que caiu no golpe da loteria, tinha de silenciar. Mesmo se perguntado, negar categoricamente ter pago 50 para Andréa (aliás, será que meu primo não pagou R$ 50 prá Baiana e só estava com vergonha de dizer), sob pena de ser alvo de chacota na CB.
Por fim, decidi me abrir. Preciso mesmo desabafar, dividir meu drama, receber o ombro amigo, tirar este fardo da minha cabeça. Já à noite, no bar do Ladislau, gritei para quem quisesse ouvir: “sim, eu paguei R$ 50 para cortar o cabelo, este mesmo cabelinho que vocês estão vendo”.
E agora estou aqui, num ato de bravura, confessando tudo. Venham com pedras ou com palavras amigas. Só sei que me sinto mais leve. Quase voltando na Andréa.
domingo, dezembro 11, 2005
Andréa - PARTE 1
Quinta-feira me deu vontade de cortar o cabelo. Às vezes me dá essas vontades, normal. Tipo, o cabelo fica comprido, começa a pesar e de repente a gente se dá conta de que tem de fazer algo a respeito.
Eu bem que podia passar a máquina em casa ou ir a um barbeiro qualquer, mas não sou lá muito disso. Primeiro, porque odeio varrer tufos. Depois, porque detesto barbado tocando na minha cabeça. Viado, então, menos ainda. Sei lá, não gosto. Não entendo como entre uma mulher, seios roçando na tua nuca, e um homem, mãos cabeludas na tua orelha, tem gente que opta pelo segundo. E ainda se julga macho porque vai no barbeiro da Andrade Neves ou da 24 de Outubro.
Mas, enfim, corto com mulheres e perguntei pro meu primo se ele conhecia alguma. Sim, tem a Baiana, ali no Sexton, 30 pilas, serviço bem feitinho. Não é lá uma gostosa, mas usa botas e é bem simpática. Mas eu, no Sexton? Eu, no circuito Padre Chagas? Eu, metrossexual? Óbvio!
Gosto mesmo de conforto e adorei que uma bixinha se dispôs a estacionar meu carro. Serviços da casa. Mas achei mesmo meio exagerado o balde de frutas à disposição da clientela. Elas cuidando do meu cabelo e eu mordendo uma goiaba – nada a ver, né? Pena que a Baiana não tava disponível. E outra mulher, não tem? Tem a Simone, ocupada, fulaninha, sumiu, sicraninha, deu uma saidinha. Ah, e tem a Andréa, também, só antes me dá teu nome, sobrenome, CPF, endereço.
A Andréa não lava cabelos. A Andréa tem a Andréia pra lavar cabelos por ela. E lá me vou eu a cabresto da assessora da cabeleireira. Tu gosta de água morna ou quente? Fria. Já veio aqui antes? Não. Que coisa, antigamente a gente não tinha de marcar para ir a cabeleireiro, né? Tu não é de Porto Alegre, né? Sou, Moinhos de Vento, querida, por quê? Não porque eu sou de Canoas e me lembro que tinha cinco anos e minha mãe já marcava hora pra mim. Eu já cortei cabelo em Canoas, sabia? Não. E também nem me deixou contar que foi no Canoas Shopping, mas não importa, bom mesmo era aquela mãozinha fazendo carinho – xampu, xampu, creme rinse. Que mãos, Andréia, mas essa ficou só na vontade de dizer mesmo.
Agora, Andréa. Andréa usa preto. Andréa usa boné. Andréa tem tatoo. Andréa não tem “I”. Andréa chegou lá e hoje corta cabelo no Moinhos. E Andréa está muito curiosa com minha presença, camisa pólo desgrenhada e com logotipo arrancado, calça social meio desbotada. Como queres o cabelo? Legal, leve, soltinho. Quem te indicou para vir aqui? Ah, te disseram pra ir na Baiana? Estranho, achei que ela só fizesse “aquelas trancinhas”. Se eu sou contratada do Sexton? Não, capaz, a gente é tipo inquilino. Sou totalmente independente, dou 30% do que ganho para eles – e olha que só com isso o cara já paga o aluguel da casa. Se eu não ganho clientes estando aqui? Hahaha, tá brincando, né, querido? Tenho é que me cuidar para não perder os meus! Onde foi que eu aprendi esses truques com a tesoura? A vida, a vida... Gostou do cabelo? Show, né? Ah, preferes um penteado, menos ousado... Entendo, vai trabalhar. Assim tá legal? Beleza, vê se volta. Um beijinho na bochecha, paga ali no caixa.
Até que 30 pilas não era tanto por Andréa e Andréia. Cheguei no caixa, puxei o cheque, quanto deu? CINCOENTA REAIS!!!
Quinta-feira me deu vontade de cortar o cabelo. Às vezes me dá essas vontades, normal. Tipo, o cabelo fica comprido, começa a pesar e de repente a gente se dá conta de que tem de fazer algo a respeito.
Eu bem que podia passar a máquina em casa ou ir a um barbeiro qualquer, mas não sou lá muito disso. Primeiro, porque odeio varrer tufos. Depois, porque detesto barbado tocando na minha cabeça. Viado, então, menos ainda. Sei lá, não gosto. Não entendo como entre uma mulher, seios roçando na tua nuca, e um homem, mãos cabeludas na tua orelha, tem gente que opta pelo segundo. E ainda se julga macho porque vai no barbeiro da Andrade Neves ou da 24 de Outubro.
Mas, enfim, corto com mulheres e perguntei pro meu primo se ele conhecia alguma. Sim, tem a Baiana, ali no Sexton, 30 pilas, serviço bem feitinho. Não é lá uma gostosa, mas usa botas e é bem simpática. Mas eu, no Sexton? Eu, no circuito Padre Chagas? Eu, metrossexual? Óbvio!
Gosto mesmo de conforto e adorei que uma bixinha se dispôs a estacionar meu carro. Serviços da casa. Mas achei mesmo meio exagerado o balde de frutas à disposição da clientela. Elas cuidando do meu cabelo e eu mordendo uma goiaba – nada a ver, né? Pena que a Baiana não tava disponível. E outra mulher, não tem? Tem a Simone, ocupada, fulaninha, sumiu, sicraninha, deu uma saidinha. Ah, e tem a Andréa, também, só antes me dá teu nome, sobrenome, CPF, endereço.
A Andréa não lava cabelos. A Andréa tem a Andréia pra lavar cabelos por ela. E lá me vou eu a cabresto da assessora da cabeleireira. Tu gosta de água morna ou quente? Fria. Já veio aqui antes? Não. Que coisa, antigamente a gente não tinha de marcar para ir a cabeleireiro, né? Tu não é de Porto Alegre, né? Sou, Moinhos de Vento, querida, por quê? Não porque eu sou de Canoas e me lembro que tinha cinco anos e minha mãe já marcava hora pra mim. Eu já cortei cabelo em Canoas, sabia? Não. E também nem me deixou contar que foi no Canoas Shopping, mas não importa, bom mesmo era aquela mãozinha fazendo carinho – xampu, xampu, creme rinse. Que mãos, Andréia, mas essa ficou só na vontade de dizer mesmo.
Agora, Andréa. Andréa usa preto. Andréa usa boné. Andréa tem tatoo. Andréa não tem “I”. Andréa chegou lá e hoje corta cabelo no Moinhos. E Andréa está muito curiosa com minha presença, camisa pólo desgrenhada e com logotipo arrancado, calça social meio desbotada. Como queres o cabelo? Legal, leve, soltinho. Quem te indicou para vir aqui? Ah, te disseram pra ir na Baiana? Estranho, achei que ela só fizesse “aquelas trancinhas”. Se eu sou contratada do Sexton? Não, capaz, a gente é tipo inquilino. Sou totalmente independente, dou 30% do que ganho para eles – e olha que só com isso o cara já paga o aluguel da casa. Se eu não ganho clientes estando aqui? Hahaha, tá brincando, né, querido? Tenho é que me cuidar para não perder os meus! Onde foi que eu aprendi esses truques com a tesoura? A vida, a vida... Gostou do cabelo? Show, né? Ah, preferes um penteado, menos ousado... Entendo, vai trabalhar. Assim tá legal? Beleza, vê se volta. Um beijinho na bochecha, paga ali no caixa.
Até que 30 pilas não era tanto por Andréa e Andréia. Cheguei no caixa, puxei o cheque, quanto deu? CINCOENTA REAIS!!!
sábado, dezembro 10, 2005
Não há novo prédio de rico em Porto Alegre que não seja neoclássico. Agora, inauguraram aquele monstro, o Carlos Gomes 222, na Carlos Gomes 222. Umas colunas gregas magnânimas – parece um anexo do Partenon. É apenas o mais grandioso exemplo entre os tantos que enfeitam os fôlderes entregues a cada esquina de domingo na Bela Vista. Quanto maior o lixo arquitetônico, mais dinheiro vale.
***
Mês passado, teve a Bienal de Arquitetura de São Paulo. A mais democrática de todas, diziam as notícias. Dei risada foi de uma entrevista com o curador.
- Quer dizer que nesta Bienal vale tudo, é? – perguntou o entrevistador.
- Tudo, menos neoclássico. E eu encho a boca pra dizer isso – respondeu o entrevistado.
***
É incrível o descompasso existente entre nossa elite intelectual e nossa elite financeira. É como se a opção pelo mau gosto fosse uma provocação dos ricos aos artistas e acadêmicos. Por que diabos ter dinheiro hoje significa renunciar a qualquer tipo de refinamento estético e artístico?
***
Se nossos velhos novos ricos já eram de dar dó, imaginem nossos novos novos ricos!
***
Sem contar que esta gente vem sendo formada por auto-ajuda travestida de literatura de administração. Nas livrarias, já nem tem separação entre os dois gêneros. Mas isso já é outra coisa.
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Mês passado, teve a Bienal de Arquitetura de São Paulo. A mais democrática de todas, diziam as notícias. Dei risada foi de uma entrevista com o curador.
- Quer dizer que nesta Bienal vale tudo, é? – perguntou o entrevistador.
- Tudo, menos neoclássico. E eu encho a boca pra dizer isso – respondeu o entrevistado.
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É incrível o descompasso existente entre nossa elite intelectual e nossa elite financeira. É como se a opção pelo mau gosto fosse uma provocação dos ricos aos artistas e acadêmicos. Por que diabos ter dinheiro hoje significa renunciar a qualquer tipo de refinamento estético e artístico?
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Se nossos velhos novos ricos já eram de dar dó, imaginem nossos novos novos ricos!
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Sem contar que esta gente vem sendo formada por auto-ajuda travestida de literatura de administração. Nas livrarias, já nem tem separação entre os dois gêneros. Mas isso já é outra coisa.
quinta-feira, dezembro 08, 2005
Estou triste. Arrasado. Arrependido. Eu devia ter deixado a preguiça de lado, pego uma grana no drive-in Banrisul e voltado para pagar o estacionamento, em vez de simplesmente assinar aquele cheque. Se ainda desse para voltar no tempo...
No começo, eu me sentia um pouco desconfortável. Várias vezes pensei em falar, mas, quanto mais o tempo passava, mais difícil ficava. Cheguei a recorrer a expedientes bobos, do tipo sair de casa com o crachá da RBS no peito. Mas não houve jeito e aos poucos fui me acostumando. Hoje, posso dizer que até gosto.
Quando entreguei o cheque, meu coração começou a bater. Não que não estivesse batendo antes, mas começou a bater mais forte, vocês entendem. Minha esperança de que ela simplesmente colocaria o papel em uma gaveta e mandaria a filha depositar esvaiu-se ali mesmo, na hora. A dona do estacionamento foi implacável: revisou o cheque como se fora caixa de minimercado no Rubem Berta. Dispendeu uns bons cinco segundos de sua atenção ali.
Sem dúvidas de que ela descobrira, saí de mansinho. A cabeça baixa, contando as pedrinhas do chão. E desejando do fundo do coração não ser chamado, não ter de dar meia-volta. Era uma da tarde e eu não estava preparado para o que viria: papo-mole, vergonha, explicações.
Graças a Deus, ela não me chamou. É certo que se deu conta, mas preferiu silenciar. Deve até agora estar se perguntando como diabos pôde passar um ano e meio - um ano e meio! - me chamando de Giovani se meu nome enfim era Sebastião. E eu, aqui no meu canto, mesmo sabendo que o cheque trouxe à tona minha identidade, torço para que amanhã tudo continue como sempre e ela me pergunte:
- Já pegou tua chave, Giovani?
No começo, eu me sentia um pouco desconfortável. Várias vezes pensei em falar, mas, quanto mais o tempo passava, mais difícil ficava. Cheguei a recorrer a expedientes bobos, do tipo sair de casa com o crachá da RBS no peito. Mas não houve jeito e aos poucos fui me acostumando. Hoje, posso dizer que até gosto.
Quando entreguei o cheque, meu coração começou a bater. Não que não estivesse batendo antes, mas começou a bater mais forte, vocês entendem. Minha esperança de que ela simplesmente colocaria o papel em uma gaveta e mandaria a filha depositar esvaiu-se ali mesmo, na hora. A dona do estacionamento foi implacável: revisou o cheque como se fora caixa de minimercado no Rubem Berta. Dispendeu uns bons cinco segundos de sua atenção ali.
Sem dúvidas de que ela descobrira, saí de mansinho. A cabeça baixa, contando as pedrinhas do chão. E desejando do fundo do coração não ser chamado, não ter de dar meia-volta. Era uma da tarde e eu não estava preparado para o que viria: papo-mole, vergonha, explicações.
Graças a Deus, ela não me chamou. É certo que se deu conta, mas preferiu silenciar. Deve até agora estar se perguntando como diabos pôde passar um ano e meio - um ano e meio! - me chamando de Giovani se meu nome enfim era Sebastião. E eu, aqui no meu canto, mesmo sabendo que o cheque trouxe à tona minha identidade, torço para que amanhã tudo continue como sempre e ela me pergunte:
- Já pegou tua chave, Giovani?
terça-feira, dezembro 06, 2005
Eu votei no Fogacinha principalmente porque ele disse que ia tirar o projeto de revitalização do Cais da gaveta. Agora, sábado, me sai uma manchete dizendo que os planos voltaram à estaca zero e - pasmem! - que o muro da Mauá será mantido. Que frustração, que tristeza, senti.
Juro, se eu fosse aposentado ou estudante secundarista, pegava uma picareta, chamava os jornais, e começava a destruir o paredão. Aliás, como é que ainda não fizeram isso?
Juro, se eu fosse aposentado ou estudante secundarista, pegava uma picareta, chamava os jornais, e começava a destruir o paredão. Aliás, como é que ainda não fizeram isso?
Mail que vira post...
Aliás, as comemorações (coloradas) e as notícias locais jé estão me constrangendo, como gaúcho. Parem com esta pantomima: o Brasil não viu o título colorado, senão como algo curioso, pitoresco. A cobertura da imprensa local é esquizofrênica. Ontem, cheguei em ZH portando um Correio que estampava manchete sobre a polêmica do Brasileirão. O segurança da Rudder me perguntou:
- E aí, como é que vai esta novela?
Não que eu quisesse, mas xinguei o coitado.
- Que novela, meu? Tá louco? Só o colorado acha que existe uma novela.
O cara magoou.
Aliás, as comemorações (coloradas) e as notícias locais jé estão me constrangendo, como gaúcho. Parem com esta pantomima: o Brasil não viu o título colorado, senão como algo curioso, pitoresco. A cobertura da imprensa local é esquizofrênica. Ontem, cheguei em ZH portando um Correio que estampava manchete sobre a polêmica do Brasileirão. O segurança da Rudder me perguntou:
- E aí, como é que vai esta novela?
Não que eu quisesse, mas xinguei o coitado.
- Que novela, meu? Tá louco? Só o colorado acha que existe uma novela.
O cara magoou.
domingo, dezembro 04, 2005
O Inter entrou em campo disposto a enfiar cinco no Coritiba e ser campeão brasileiro. Logo no início, tomou um e abandonou suas pretensões. Daí para diante, queria apenas ganhar, terminar empatado com o Corinthians e ser o campeão moral. Sem chances de vencer, o colorado concentrou-se em secar o líder e fingir que foi campeão de um campeonato de mentirinha.
***
Incrível como os colorados não conseguiram digerir a vitória do Grêmio na segunda divisão. Na segunda divisão! O despeito foi tanto, o grito reservado para o segundo pênalti do Náutico ficou tão entalado, que eles não puderam se contentar em comemorar a ida a Libertadores e tiveram de inventar um título fictício.
***
Imagina o constrangimento daquela gente na Goethe quando, terminado o jogo do Inter, a TV passou a mostrar o jogo do Corinthians. Tevez e Cia. trocavam passes na defesa, apenas esperando o apito final do juiz. Perdiam de 3 a 2, mas já nem queriam jogar. Do campeonato de mentirinha, da vontade colorada de comemorar, sequer tomaram conhecimento. Dos bares porto-alegrenses, não deu nem pra secar.
***
Semana passada, ZH saiu com doze páginas destinadas à heróica ascensão tricolor, reservando à vitória colorada apenas uma página. A fúria dos leitores, ou ao menos dos leitores vermelhos, foi tanta que dezenas suspenderam a assinatura. Os editores de Esportes parecem ter se arrependido - se é que não levaram puxão de orelha. Ontem, ao fim do jogo do colorado, como um juiz que dá um pênalti inexistente e depois procura recompensar, um dos manda-chuvas da editoria lasca uma sugestão de manchete: "Campeão na Bola". Campeão do que, carapálida? Calma Tião, ZH tem de se redimir pelas doze páginas da segunda passada...
***
Aliás, final melancólico o deste campeonato. Uma lição a todos que defendem os pontos corridos.
***
Por fim, eu tinha avisado: Ele não ia interceder duas vezes pela gauchada em tão pouco tempo...
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Incrível como os colorados não conseguiram digerir a vitória do Grêmio na segunda divisão. Na segunda divisão! O despeito foi tanto, o grito reservado para o segundo pênalti do Náutico ficou tão entalado, que eles não puderam se contentar em comemorar a ida a Libertadores e tiveram de inventar um título fictício.
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Imagina o constrangimento daquela gente na Goethe quando, terminado o jogo do Inter, a TV passou a mostrar o jogo do Corinthians. Tevez e Cia. trocavam passes na defesa, apenas esperando o apito final do juiz. Perdiam de 3 a 2, mas já nem queriam jogar. Do campeonato de mentirinha, da vontade colorada de comemorar, sequer tomaram conhecimento. Dos bares porto-alegrenses, não deu nem pra secar.
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Semana passada, ZH saiu com doze páginas destinadas à heróica ascensão tricolor, reservando à vitória colorada apenas uma página. A fúria dos leitores, ou ao menos dos leitores vermelhos, foi tanta que dezenas suspenderam a assinatura. Os editores de Esportes parecem ter se arrependido - se é que não levaram puxão de orelha. Ontem, ao fim do jogo do colorado, como um juiz que dá um pênalti inexistente e depois procura recompensar, um dos manda-chuvas da editoria lasca uma sugestão de manchete: "Campeão na Bola". Campeão do que, carapálida? Calma Tião, ZH tem de se redimir pelas doze páginas da segunda passada...
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Aliás, final melancólico o deste campeonato. Uma lição a todos que defendem os pontos corridos.
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Por fim, eu tinha avisado: Ele não ia interceder duas vezes pela gauchada em tão pouco tempo...
Uma da manhã, estamos chegando de uma agradável noite no Temari (aliás, o melhor japa da cidade). Largamos o carro no estacionamento e é impossível não ouvir o inhé inhé dos balanços da praça ao lado. Surpreendentemente, a Rafaela aceita o convite de espiar quem brinca em tão avançada hora. Em meio à grama seca, alheio ao movimento da Nilópolis, um casal diverte-se no brinquedo. Aos poucos, entendemos que em frente aos dois há uma cadeira de rodas. Me corre um frio na espinha, me vejo dentro de um filme, um Mar Adentro da vida.
Sim, eu devia ter sido contaminado pela alegria dos amantes. Mas não consegui evitar: levei uma paulada de tristeza.
Sim, eu devia ter sido contaminado pela alegria dos amantes. Mas não consegui evitar: levei uma paulada de tristeza.