quinta-feira, janeiro 05, 2006

É impossível achar cachorros em noites de Ano Novo

Esta coisa de Ano Novo ainda me deixa tenso. Seis da tarde e os caras, nervosos, sem saber o que fazer, pipocando foguetes a esmo – fico desnorteado. Para aliviar, dia 31, pouco antes das onze da noite, resolvi dar uma volta a pé pelas ruas de Tramandaí, pensar no sentido da vida.
O calcanhar para fora do chinelo encostando no paralelepípedo, só isso já me descarregaria. Mas ainda dava pra bisbilhotar cada uma das casas - de noite as ruas ficam escuras, e os lares, bem iluminados. As famílias, todas meio tristes, meio felizes, com seus dramas típicos e profundos, do tipo: será que esperamos a meia-noite para servir a ceia? Adoro isso!
Flanei livre pela praia, até ser interrompido por um casal. Portavam uma lanterna e estavam desesperados, o cara e a mocinha. Procuravam algo como se procura nos desenhos animados, de forma teatral, exagerada, absurda até. Perguntaram se eu não vira um cachorro, assim, tipo bege, uma foxezinha meio vira-lata, Suzy (por que diabos eu acho que é com “Y”?), bem velhinha. Respondi que os foguetes assustam os bichos e eu apostava que ela estava dentro do armário, como meu cachorro Platão costumava fazer. Mas eles não deram bola.
Continuei caminhando e a cada quadra vinha mais gente perguntar do cachorro - era mesmo um batalhão à caça de Suzy. Em frente à casa da fujona, uma menininha, uns 8 anos, chorava copiosamente junto a outras crianças. Tentei consolá-la, dizendo que enfim eu mesmo já tinha perdido dois cachorros, que eles normalmente são achados dias depois, que ela tivesse paciência. Nessa hora eu já havia me incorporado às buscas e também já tinha desistido delas, vocês sabem, é totalmente impossível achar um cão em noite de Ano Novo.
Triste com a fuga de Suzy, voltei para casa sem paciência para bisbilhotar lares. Caminhei, meio perdido (eu sempre me perco em Tramandaí), desolado. Foi então que, lá longe na esquina do armazém abandonado, distingui um bichinho. Corri, corri, corri, dobrei a quadra, e cheguei perto. Chamei: tstststststs, vem cá, tstststs, e o cãozinho veio. Com medo de ser mordido, peguei-o no colo. A cada foguete o pobrezinho tremia, e eu passava a mão no focinho, calma, calma, pronto, pronto. Suando de nervoso, voltei à casa da menininha chorona.
- Gente, se não for esta aqui, eu mato vocês – disse, inoportuno.
E a família veio abaixo, e as crianças se atiraram aos prantos em cima da cachorrinha, e as velhas vertiam lágrimas, e ninguém acreditava. Ficaram tão emocionados, que esqueceram até de me agradecer. Fiquei meio chateado, mas não tinha problema. Era quase meia-noite e eu voltei para casa feliz, me achando o anjo que saiu para fazer uma família feliz.

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