Até o fim do estoque
- Licencinha, licencinha... Licença! Nossa, hoje o trânsito está difícil aqui - pede passagem um vendedor.
- Licencinha, licencinha... Licença! Nossa, hoje o trânsito está difícil aqui - pede passagem um vendedor.
A quatro dias da véspera de Natal, é quase impossível andar pelos corredores da loja de sapatos encravada na Esquina Democrática, o centro do centro de Porto Alegre. Em meio ao amontoado de clientes, os vendedores, num vai-e-vem frenético, pedem licença, contorcem-se tentando desviar, mas, às vezes, para abrir caminho entre os colegas, só com o cotovelo mesmo.
Os poucos espaços vazios do salão parecem ser preenchidos pelo agito da axé-music de Ivete Sangalo, que dita o ritmo das vendas. Com um sorriso discreto no rosto, a vendedora Noemia Costa parece indiferente ao clima de confusão. Ajoelhada aos pés de duas clientes, ajuda-as a calçar a sexta sandália que experimentam. Quando percebe ser necessário um número maior, pede para que aguardem e ruma para uma filial da empresa localizada a 170 metros da loja.
Noemia percorre a distância a passos largos, quase de marcha atlética. Normalmente, iria correndo, mas sente uma certa vergonha na presença do repórter. Fôlego não falta. Aos 49 anos, ela malha uma hora por dia. No entanto, desde o início de dezembro, por conta de um aumento de oito para 10 horas na carga horária de trabalho, o tempo de exercício na academia foi reduzido para 15 minutos diários. Em compensação, a ginástica na loja se multiplicou com o aumento do movimento
.- Isso aqui é uma academia. A gente passa o dia subindo e descendo escada. E se calcular tudo que a gente anda por dia trabalhando acho que dá para ir até minha casa, quase lá em Gravataí - brinca.
Depois de cerca de 10 minutos, Noêmia volta à loja e encontra as clientes no mesmo lugar. Enquanto entrega a sandália que buscou, já sai em disparada rumo ao porão, onde fica o estoque local. Apesar do labirinto de corredores, ela sabe direitinho onde está cada produto. É a funcionária mais antiga da empresa, tem 27 anos de casa _ as colegas a chamam carinhosamente de "Véia". Mesmo com tanto tempo na atividade, não perde a vontade de trabalhar e de aproveitar ao máximo o período de Natal para faturar mais.
- A gente cansou de brigar com o sindicato (dos comerciários) para não precisar folgar toda semana nesta época. Queríamos negociar para tirar as folgas em janeiro, quando o movimento é menor - reclama.
No piso superior, a correria só aumenta: uma cliente esbaforida pergunta pela sandália da Sandy, a portinhola estilo saloon de faroeste que dá acesso ao balcão da caixa não pára de ranger, os atendentes acumulam-se em torno do computador no qual se faz consulta aos estoques, um segurança de colete à prova de balas e roupa preta que lembra os soldados do filme Tropa de Elite dispara olhares para todos os cantos. É para esse ambiente que Noêmia volta, com uma sandália na mão, retomando seu posto aos pés das duas clientes. Uma delas experimenta a última opção de calçado e decide a compra.
Nemia retira da pochete, onde guarda a calçadeira e os cartões da loja, a "previsão" _ boleto que, quando apresentado pelo cliente no caixa, garantirá sua comissão _, onde anota a compra de R$ 64,90. O olhar não esconde uma certa decepção por ter vendido tão pouco após um atendimento de mais de 20 minutos. Mas o Natal não reserva tempo para lamentações. A vendedora recolhe as caixas de sapato que ficaram no chão, e leva ao estoque. Na escada, deixa quatro sandálias caírem no chão, dá uma risada, convida o repórter para trabalhar de auxiliar e junta tudo. É hora de correr para a porta e fisgar o próximo cliente.
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