sábado, novembro 29, 2008
O ano era 1996. Eu e colegas do terceiro ano do Alpicação, que excursionávamos por Buenos Aires, íamos a um jogo de Racing e Arg. Jrs, em Avellaneda. Entrei no táxi para o estádio com a camiseta do Grêmio, e o taxista mandou-me trocar, porque não seria seguro ir com o uniforme de um time brasileiro. Obedeci. Assistimos ao jogo, um tenebroso 0X0, com direito a briga nas arquibancadas, tiro e morte na saída da partida. Deu na TV e tudo. Adivinha que camiseta usava o líder da torcida do racing, o rei dos barra-bravas, o cabeludo que a todos comandava e deu o start à pancadaria? A do tricolor gaúcho. Pura verdade.
sexta-feira, novembro 28, 2008
Quando um ser humano do sexo feminino vem ao mundo, seu cérebro já traz um vocabulário secreto que só se desenvolve com a maternidade. É engravidar e a mulher começa a falar uma língua diferente, composta de palavras tão estranhas quanto linha nigra (a listra que aparece na barriga com a gestação) e que você não sabe como, nem onde aprendeu. E nem vai saber – ela não aprendeu: nasceu sabendo.
E não apenas isso: aflora na gestante uma nova noção de tempo. De uma hora para outra, sua mulher, que pensava que 2,5 semanas eram duas semanas e cinco dias, passa a calcular com perfeição qualquer intervalo com a unidade semana. Quase que um convite para almoço amanhã vira "amor, vamos almoçar daqui a um sétimo de semana?" e "daqui a dois anos" vira "daqui a 112 semanas". Claro, a gestante sempre tem na ponta da língua quantas semanas acumula de gestação. As gurias sempre me perguntavam:
- Com quanto tá a Rafa de gravidez?
- Três meses, mais ou menos.
- Mas quantas semanas.
- Sei lá, faz a conta, mulher. Só sei que fabricamos dia 7 de março.
Voltando ao vocabulário feminino, ele se mostra ainda mais rico quando nasce o bebê. Sua mulher e as médicas e as avós começam a falar outra língua. E você, pobre pai, tem de ter um dicionário de português e outro de inglês e outro de medicina para entender. Para facilitar o ingresso dos homens nesse novo mundo, deixo aqui um glossário, que pode ser enriquecido com comments. Afinal, como diz meu amigo e papai Filipe Maia, este blógui tem de ser relevante.
Coto: anagrama de toco; o toco do umbigo, enquanto já cortado e ainda não caído.
Mecônio: os primeiros cocôs do recém-nascido. Gosma escura e grudenta, parece doce de ameixa. Sai nos primeiros dois dias, dando lugar ao cocô erva-mate e ao cocô molho de maracujá, respectivamente, nos dias subseqüentes.
Tampão: tampa grande, decerto. Primeira parte do corpo feminino que rompe antes do nascimento do bebê. Os sintomas são vazamento de borra marrom e sangue aguado. Após esse rompimento, ainda pode levar dias para o parto. A gente ouve falar de bolsa, útero, contrações, etc... Mas, antes de tudo, há o tampão, quem diria!
Colostro: o leite que não é leite que sai nos primeiros dias. Precioso em conferir defesas imunológicas ao bebê. Aguado após o nascimento. Igual a cheddar antes dele.
Nan: marca registrada. Alimento infantil da Nestlé que virou sinônimo para qualquer complemento alimentar. Não hesite em dar Nan em copinho de cachaça se seu pobre filho é glutão e não se satisfaz com o colostro. Fará bem aos seus ouvidos (e a seu sono)
Concha: armadura de plástico para a teta, ops, para o seio da mamãe. Protege a mamica, ops, o mamilo contra fissuras, e o parceiro da mãe contra jatos de leite. Pode vir com reservatório para leite materno.
Mijão: sim, o seu filho também é um mijão, ainda mais quando está trocando as fraldas e brinca de chafariz. Mas a palavra também indica a calça ou ceroula do bebê.
Tip-top: desse eu já tinha ouvido falar. Espécie de macacão, a roupa ideal para o bebê. Peça única fechada por botões. Tenha muitos destes.
Bóri: certo que é body, mas, para ser in, a gente tem que falar bóri, com erre. Espécie de camiseta de algodão macio que pode ir debaixo do tip-top.
Cuero: coberta de algodão ou lã para cobrir o bebê (e para que mais serviriam as cobertas)? Um dia deve ter sido de couro.
Alucinar a teta: é o que seu filho faz quando fica mordendo o ar, a roupa e seu dedo imaginando que se trata do seio. Mais detalhes, pergunte para a Melanie Klein. Ou para a minha irmã mesmo.
Bebê-conforto: pequeno berço desconfortável para levar o bebê no carro ou na rua. Evolução do moisés, agora impermeável, para ser largado no rio sem molhar o Moisés.
Sling: faixa que se usa atravessada no tórax para carregar o bebê junto ao corpo. Muito na moda, embora pareça coisa de ípi (hippie).
domingo, novembro 23, 2008
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Tentarei explicar o inexplicável, relatar os sentimentos que acometem um pai de primeira viagem quando nasce o filho, o que se passou antes e depois das 23h39min do dia 17 de novembro de 2008, quando o João Ritter Com Dois Tês dos Santos de Araujo Sem Acento Ribeiro veio ao mundo.
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Dos fatos: na sexta e no sábado a Rafa submeteu-se a duas ecografias para verificar se, digamos assim, um ‘vazamento’ percebido não era de líquido amniótico, o que precipitaria uma cesariana. Não era. Ao ouvir o diagnóstico da médica, a Ana Lúcia Letti Muller Recomendamos, minha mulher descobriu de uma só vez que possuía um tampão e que ele havia rompido. O parto poderia demorar alguns dias.
No sábado, entretanto, começaram as contrações. Leves e a cada 30 minutos, moderadas e a cada 20, fortes e a cada 10, insuportáveis e a cada 4. Esse último nível, já na manhã de segunda-feira, quando fomos ao hospital. No centro obstétrico, uma máquina foi ligada à Rafa para medir o ritmo e a intensidade das contrações. Imediatamente, de inopino, as insuportáveis e a cada 4 minutos ficaram moderadas e a cada 15, pelo menos até o aparelho ser desligado. Meu pai disse que é como chamar um técnico para ver a TV e, quando ele chega, o aparelho está funcionando perfeitamente. A Rafa foi mandada de volta para casa.
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A tarde foi insuportável para a minha pobre mulher. O dilema era o seguinte. As contrações estavam horríveis, mas o bebê só tinha 37 semanas, enquanto o ideal são 40 para nascer. Havia uma remota possibilidade de o pulmãozinho ainda não estar formado 100%, e o João ter de ficar na incubadeira, feito pinto. Mas, com o ritmo voltando para insuportáveis e a cada 4, conversamos com a médica e tomamos uma decisão: o João estava pedindo para sair - de parto normal ou cesariana, era hora de ele nascer.
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A decisão me trouxe um alívio e uma alegria serena. Como minutos antes de meu casamento. Com calma, saí do apartamento dos pais da Rafa, onde meu pai já tomava um uísque para se tranqüilizar e nossas mães prestavam apoio à parturiente, e vim até minha casa. Peguei nossa mala e a bolsa do João, que já estava pronta, e tranquilamente, tomei um banho. Busquei a Rafa e rumamos para o Hospital. Às 21h estávamos no Moinhos.
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Desde o início da gravidez, que agora vira gestação, assim como dar de mamá vira amamentação, tenho procurado ser um pai participativo. Diz que é moderno participar. Mas eles, médicos, que não deixam muito. O pai não pode acompanhar o primeiro exame no Centro Obstétrico e nem o começo da cesárea.
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Até eu entrar no vestiário onde deveria tirar a roupa e vestir o camisolão verde, estava tranqüilo. Só ali, sozinho, me dei conta de que alguma coisa realmente importante aconteceria. É como se tudo o que se passara na minha vida estivesse virando passado. De uma hora para a outra. Alguma coisa nova estava chegando para mudar tudo para sempre. Neste momento, olhei para o banheiro e pensei em quantos pais já haviam se utilizado dos serviços daquela privada. Se eu me caguei? Literalmente.
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Paramentado, de camisolão, touca, protetor de pés e máscara, fui para a sala dos médicos. Na Globo, passava um filme brasileiro, no qual, por coincidência, um bebê era deixado em frente a uma igreja. Na sala de parto, a Rafa era anestesiada. Ainda bem que a pediatra, Rejane Schmitz Sei Lá Como Escreve Mas É Um Anjo Recomendamos, ficou um pouco comigo. Ela mesma levou-me até o local do procedimento. Encontrei a minha mulher muito enjoada, e as médicas pingando suor de tanto forcejar a barriga. Passaram-se instantes até, de repente, uma delas abrir a cortina e aparecer aquele pedacinho de carne já quase chorando. Colocaram-no, ainda gosmento, sobre a Rafa, que o beijava feito bicho. Não derramou uma lágrima. Nem eu. Ainda iria demorar para eu me emocionar.
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Levaram o João para uma sala contígua. Fui junto. Ainda bem que tinha visto Discovery Home and Health e descoberto que bebês ficam roxos logo que nascem. Caso contrário, teria sido um pavor. Viraram e reviraram o João. Quando me dei por conta, ele era um pacotinho em minhas mãos. Peguei-o como achava que um pai deveria pegar uma criança. Sem medo, com firmeza e determinação. Sem fraquejar, eu só queria ser o que se espera de um pai. Tinha um papel e tinha de cumpri-lo a contento. Ponto.
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Os primeiros momentos de um bebê são do pai. É ele quem o acompanha, quem o pega, quem o assume, quem tem o controle. Ao menos nos casos de cesárea, em que a mulher está sendo costurada. Com o João no colo, dei-me conta que naquele momento o poder era meu; o poder de decidir o que fazer com ele – levá-lo para a mãe ou para a família? Deixei-o nos peitos da Rafa e corri para fazer um sinal de OK para os tios e avós que aguardavam atrás do vidro do Centro Obstétrico. Voltei à sala de cirurgia, para ficar com a Rafa e meu filho. Espiei por sobre a cortina que separa a cabeça da barriga da mãe e vi coisas que fariam muitos desmaiarem. Descobri que sou forte para isso.
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Como disse, os primeiros momentos de um bebê são do pai. Fui eu quem decidiu a hora e levá-lo para o forninho, digo, berço aquecido; foi minha a primeira mão que ele segurou. Acompanhei a pediatra manipulá-lo feito um pedaço de trapo. Vi meu guri levantar a cabeça ao sentir-se sufocado quando de bruços e dependurar-se como macaquinho nos dedos da enfermeira. Descobri ao mesmo tempo que o João tinha Apgar “nove e nove” e que Apgar era um teste para ver reflexos e condições do bebê ao nascer.
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Mas o sonho dos primeiros minutos é efêmero. Uma ilusão que se esvai no exato momento em que põem o garoto na teta da mãe. A boquinha que nunca sentiu um seio vai direto no mamilo e suga como se sempre antes. Nesta justa hora, o pai descobre que é ninguém. A vida do filho será teta e teta. Resta a mim, resta a nós, pais, fazê-lo arrotar.
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Os momentos no quarto do hospital são malucos. Pela primeira vez na minha vida, a sensação de sonho e realidade se inverteram. Prestes a cair no sono, sentia que voltaria ao mundo ao qual estava familiarizado do sonho e, ao mesmo tempo, abandonaria o mundo mágico que estava vivendo acordado. A realidade era muito mais fantástica do que qualquer sonho. E isso não é figura de linguagem nem metáfora. Realmente, tinha medo de dormir e interromper um sonho que dava vontade de sonhar.
Em que momento eu me senti pai? Sei direitinho quando foi. Tínhamos, os três, passado a noite no quarto. As primeiras visitas da terça-feira já haviam aparecido. A primeira delas, o Dr Flávio Prenna, médico amigo da família, que às 8h me explicou que pouco a pouco os humanos vão abandonar o reflexo primitivo de se dependurar nos dedos das enfermeiras feito macaquinhos em galhos da floresta. A seguir, chegaram alguns familiares, amigos, todos bem-vindos. Em um determinado momento, no entanto, me vi sozinho no quarto com o João. A Rafa no banheiro, provavelmente. Coloquei o guri no meu colo, sentei na poltrona e apenas olhei. A boca, a bochecha, os olhinhos, a orelha. Me pus a chorar e descobri que olhar para aquele rostinho me faria para sempre feliz. E cada vez que paro para observá-lo me vem a mesma paz e o mesmo amor.