domingo, fevereiro 01, 2009

João Pedro
João Pedro era ranhento, a cara sempre borrada de preto, mistura de ranho e terra amealhada no pátio de casa, nas caixas de areia, no barranco do Ipa. Andava todo esfarrapado, molambento, de camiseta branca, sempre suja, às vezes rasgada. Tinha tudo para ser uma criança linda, loirinho, bonitinho, mas também não calhava de pentear o cabelo. E era bagaceiro que só.
Morava numa casa rodeada por um baita muro lá na rua Silveiro, altos do morro Santa Tereza. O pátio tinha um cachorrão e mais desafios que um campo de paintball, ao menos lá de baixo, de onde as crianças viam tudo, assim parecia. Na varanda, havia um alvo onde adorávamos jogar dardos, brincadeira de gente grande. Não lembro bem, mas acho que a família dele era meio bagunçada, de uma bagunça comovente. Pelo menos o irmão mais velho, o João Cláudio, colega do Bento, era um cara atrapalhado.
João Pedro estudou comigo na pré-escola. Vivíamos juntos. Até que deixamos o IPA para começar a primeira série. Cada um para o seu lado, paramos de se ver, de se telefonar. Eu fui para o Aplicação e ele não lembro. Só sei que uns anos depois estudou no Instituto de Educação, ao lado do meu colégio. Às vezes passava pelo nosso pátio. Quando o via, eu corria para a tela que cercava a cancha de futebol. Conversávamos como amigos que jamais tinham se separado. Mas não trocávamos telefonemas nem nada.
Nunca esqueci o João Pedro. Quando meu filho nasceu, quis batizá-lo com o nome do meu colega. A Rafa achou melhor não, o guri já ia ter muito sobrenome. Ficou só João mesmo, o único entre todos os nomes do mundo que agradava a nós dois. Há uns anos, o Bento contou-me que uma ex-namorada dele disse que era colega do meu velho companheiro na faculdade de medicina. Deve ser médico, o João Pedro. Decerto já sabe assoar o nariz. Ao menos para entrar na sala de cirurgia.

P.S.: se alguém sabe dele, comenta aí embaixo.

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O texto acima é o segundo da série perfis. O primeiro saiu em janeiro de 2006 – há três anos! Para quem não lembra, segue:

Winnie
Winnie tinha seis anos e cabelos angelicais. Era um doce de criança, um narizinho de batata misturado com ricos cachinhos louros. Morava com a mãe, a tia e a avó - todas muito insanas e muito bacanas - em um sobrado de classe média em um bairro de classe alta de Niterói. Era prima da minha então namorada Rebeca, com a família de quem passávamos uns dias no litoral carioca.
Foi me ver e Winnie se apaixonou por mim. Acho que com ela aprendi a gostar de crianças. Por causa dela, me dei conta que eu então já era um tio para a piazada. Pela primeira vez, estava mais para pai do que para irmão.
Não lembro bem como ela gostava de mim, as coisas que dizia. Sei que estava sempre às voltas, me convidava para brincar de boneca, pulava no colo, conversava, conversava, conversava e fazia bagunça na praia. Eu a levava para tomar banho de mar, ameaçava deixá-la sozinha no fundão. Ela andava na minha garupa na areia. Eu perguntava sobre bonecas e sobre brinquedos e fazia esforço para educá-la.
De repente, aquela menina, cujo súbito amor por mim impressionou a todos, passou a me odiar. Ódio mortal. Por nada. A família não entendeu. Eu tampouco. Fiquei muito constrangido, porque parecia que eu tinha maltratado o anjinho às escondidas. E não havia jeito de reconquistar a guriazinha. Quando fomos embora e ela tinha de voltar para o seu quarto - de onde temporariamente foi desalojada para dar lugar aos hóspedes - se negou.
- Só volto se alguém passar um aspirador pra tirar vermes deste quarto - disse no seu adorável sotaque carioca, externando todo o nojo que passou a nutrir por mim.
Nunca mais via a Winnie. Final do ano passado, me mostraram uma foto dela na formatura da Rebeca. Uma linda mulher de 16 anos, com um chapéu de caubói, e fazendo pose de sem-vergonha. Adorável e perigosa Winnie.

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