Casinhas e mercadinhos
Sebastião Ribeiro*
É impossível passar batido por estas casinhas do Petrópolis. Não que sejam bonitas ou tenham algum valor arquitetônico. Pelo contrário. Me fascinam as mais simples e toscas.
Em meio aos edifícios cada vez mais altos (por que tantos andares?),lá estão elas, um nível abaixo da calçada, paredes de madeira, telhas desencontradas. Às cercas, sempre um, dois, três cuscos acodem quando o caminhante passa. Chegam latindo, dentes rangendo. Um pouquinho de atenção do viajante, e o rabo já balança, enquanto o rosnar se transforma em apelo de mais, mais, mais carinho. Pregada aos portões de entrada desses casebres, é comum haver uma placa, letras pintadas a mão livre: "conserta-se bicicletas", "fazemos cercas de bambu", "aqui, costureira", "lavanderia", "oficina". Nos dias de sol, é fácil ver senhoras na varanda, encobertas pelo verde que cresce vistosa e desorganizadamente pelos pátios frontais,colocando água com açúcar nos bebedouros para beija-flores.
Ando pelas ruas do Petrópolis – e como é bom andar por elas nos dias ensolarados de inverno! – e tento adivinhar vidas. Quem são as pessoas que vivem nesses casebres? Será que se viram só com o dinheiro ganho prestando serviços no lar ou de alguma aposentadoria do INSS? Por que não vendem esses terrenos? Sabem que cada lote vale centenas de milhares de reais, que há incorporadoras de olho em cada metro
quadrado do Petrópolis? Ou será que todas essas famílias moram em terras sem escritura, invadidas?
Só sei que são umas resistentes, estas casinhas de Petrópolis. Assim como o são os armazéns. A umas três quadras da minha casa, há um mini-mercado por esquina, inclusive o de nome mais criativo: Armazém da Esquina. E são tão parecidos, os mercadinhos do Petrópolis. Sempre uma iluminação lúgubre e um gringo italiano atrás do balcão – "son quantos gramas de salsichon, mesmo, senhora"? Nas prateleiras,
ostentam produtos que nem sabia que ainda existiam – frascos de Creolina, Anil Imperial, Ri-Do-Rato, pão-cabritinho: que nostalgia! Se é que é possível ter nostalgia de um tempo que não vivemos. Em alguma gaveta, nunca falta o caderninho molambento, com as dívidas de cada um. Acho tão bonita esta história de conta no armazém – no início do século 21, era da informática, tempos de corrupção e bandalheira no país, um rabisco a lápis ainda é compromisso nos mini-mercados do
Petrópolis.
Vez ou outra, uma casinha de madeira é demolida para dar lugar a um espigão. Ou um armazém fecha as portas, pressionado pela concorrência dos supermercados. Infelizmente, o bairro está mudando. Mas quanto mais edifícios e supermercados surgem, mais bravos e fascinantes me parecem as casinhas e os mercadinhos que resistem.
*Repórter de economia de Zero Hora, morador do Petrópolis
Nenhum comentário:
Postar um comentário