segunda-feira, abril 12, 2004

O Barranco fez 35 anos. De minha parte, acho que freqüento a churrascaria há 24. Minhas primeiras lembranças de lá são do barranco – o propriamente dito. Escondíamo-nos, eu, o Alfredinho, o Bento e mais uma patota atrás das taquareiras à espera dos ônibus que rasgavam a Protásio. Quando eles se aproximavam, púnhamo-nos em alerta para logo atirarmos um chumaço de papel higiênico molhado no coletivo. Atuávamos organizadamente, havia uma linha de produção: enquanto uns molhavam os papéis, outros corriam por entre as mesas para levar a munição até o pessoal da artilharia.
Quando não levávamos para a rua a brincadeira, guerreávamos dentro da churrascaria mesmo. No cantão do salão lá de dentro, ao lado da parede espelhada, ficava a escada que dava acesso ao almoxarifado, onde pegávamos os atilhos e os guardanapos – armas e munição para uma batalha que tinha mesas, cadeiras e clientes compondo o campo de guerra.
Outro barato era coletar as tampinhas de refrigerante, para participar das promoções. Depois, trocávamos tudo por ioiôs, mini-caixas de coca-cola ou outras bujigangas. Andávamos no encalço dos garçons a pedir tampas, procurávamos-nas debaixo das mesas, abríamos todas as gavetas – em uma delas achamos mais de cem, certa vez.
Mas fazíamos muito mais. Quebrávamos as garrafas de Old Eight jogadas no lixo para brincar com a bolinha que compunha o medidor de doses, subíamos nas árvores no esconde-esconde, espiávamos o movimento da cozinha pela janela do banheiro, “tocávamos” piano.
Hoje, o Barranco não tem mais piano, suas janelas não são mais de plástico, cachorros não são mais permitidos – o Camilo, meu primeiro Yorkshire, era habitué -, e parece até que proibiram o pessoal de jogar papel molhado nos ônibus. O Grêmio não ganha mais títulos para comemorarmos por lá, o Renato Gaúcho só canta Ronda no Porcão e boleiro não pode mais beber chope. O Barranco também deixou de ser território eminentemente masculino - misógino, alguém diria - e é ponto de encontro de casadas e desquitadas e mesmo de meninas moderninhas.
Mas isso é o de menos. Entrar no Barranco ainda é sentir-se em casa. O mesmo Cabeça que nos dava esmolas quando pedíamos (prometendo – e não cumprindo – pagá-lo com nosso primeiro salário) e nos servia refri, agora serve nosso chope e o de nossas namoradas. Daqui a uns dias, servirá o de nossos filhos. Há quase 20 anos, vemos as mesmas caras entrando e saindo da churrascaria, todo o santo dia 24 de dezembro, ao meio-dia. Ainda me sinto criança quando explodo em gargalhadas, junto com o Alfredinho, ao ver uma figura carimbada adentrar o recinto na véspera de Natal.
Nenhum grande lugar da juventude de meus pais sobreviveu. Floresta Negra, 106, Encouraçado, hoje são, para mim, só lendas. Tenho esperança de que este não seja o futuro do Barranco. Ainda quero ver meu filho correndo pelos seus corredores e namorando em suas mesas. Pelo menos enquanto o Élson e o Chico estiverem por lá, controlando tudo a toda hora, sei que nada mudará.

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