sexta-feira, novembro 02, 2007

Muitas vezes eu quis ser publicitário. Muitas vezes também quis ser jornalista. Um dia, eu era pouco mais que criança, disse isso a meu pai. E ele me respondeu: “meu filho, a grande diferença é que o trabalho do publicitário é mentir, e o do jornalista, falar a verdade”. É claro que ele vai negar a autoria de tamanha simploriedade, e óbvio que deve ter falado isso com a ironia que meu ouvido de menino não captava.
Mas a frase ficou. Na hora de me inscrever para o vestibular, lembrei dela. Às vezes estou escrevendo uma matéria e lembro dela. Posso mesmo dizer que é por causa dela que vivo hoje a mentir. Talvez não mentir da maneira como vocês gostariam que fosse – a imagem do executivo da multinacional que liga pro Nelson Sirotsky, que liga para o Marcelo Rech, que liga para minha chefe, que me manda escrever o que o executivo da multinacional mandou. Não, amigos, infelizmente as coisas não são assim tão divertidas na redação. A mentira a que eu me refiro é mais profunda. É a mentira do jornalismo em si, o fingimento intrínseco à profissão, ou ao menos ao modo como a exercemos hoje. Escondidos atrás de fórmulas prontas, fingimos que entendemos dos assuntos sobre os quais escrevemos e que estamos falando A VERDADE sobre eles. Do outro lado, o leitor finge que acredita em tudo. E somos todos felizes para sempre.
Ao menos o publicitário é um mentiroso mais honesto. Ele mente, mas admite que mente. Fala a verdade, portanto. Trabalha para vender produtos, associar a eles conceitos que não fazem parte da coisa em si. Mas ninguém finge que acredita no publicitário. A gente sabe que se usar o desodorante Axe não vai sair pegando mulher como na propaganda, estamos avisados de que o comercial é uma mentira mesmo.
Tem vezes que me pergunto: e se eu tivesse sido publicitário? Bom, estaria ganhando um pouco mais, claro. Mas em noites como a de hoje tenho certeza de que jamais seria um bom publicitário. Por volta das 23h, cheguei em casa. Eu, que nunca vejo TV, assisti de uma tacada só, em estado letárgico, Pânico (prazer, Pânico; prazer, Sebastião), uma comédia universitária inteira e meio filme enlatado de vampiro, sem contar as zapeadas. Saí da frente da TV quatro horas depois e vim direto para o computador, onde entrei no Orkut, descobri no Terra que a Sheila Mello está de fora do Carnaval e naveguei mais um pouquinho. Estou nauseado de tanta programação popular – coisas nas quais publicitários têm de ficar ligados o tempo todo, como o desenrolar da novela das oito ou do BBB 22.
Tudo isso para dizer que, depois dessa bateria de junkie entertainment, concluí cá com meus botões (e não haveria de ser com os dos outros): prefiro viver a mentir do que ter de me interessar pelas coisas que as pessoas se interessam.

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