Eu não sou um cara legal. Mas esses dias fiz uma coisa legal. Há tempos estava louco para contar aqui, mas, de tão louco, não postei. Agora que não estou mais louco, vou dizer.
Desde sempre a Rafa me fala da amiga Tati Kern, elo perdido entre a infância e a adolescência dela. Juntas, elas faziam as mil Barbies copularem com o único Bob (ou seria Ken?) da coleção, o sujeito mais feliz de toda a história dos brinquedos. Juntas, passavam horas folheando edições da Fluir, porque queriam namorar surfistas, e, afinal, precisavam de informações para seduzi-los. Juntas, assistiam sem parar à reprise do show do Guns no Rock In Rio, para depois trocar juras de amor:
_ Rafa, tu jura que se o Axl (Rose) chegar em ti tu não vai ficar com ele?
_ Juro. Juro.
E se abraçavam...
Foi a Tati Kern quem empurrou a Rafa para o seu primeiro beijo, aos treze anos, porque, afinal, era um absurdo uma menina de treze anos nunca ter beijado. Sorte do feioso do Artur.
Mas, como todas as grandes paixões, a das duas amigas esmoreceu. A Tati Kern trocou de colégio, saiu do Americano, elas foram se afastando, afastando, até se perderem por completo. Até que um dia chegou o Google e o Orkut, e a Rafa se encheu de esperança. Vã esperança, porque a Tati Kern simplesmente não existe no mundo virtual.
A Rafa cresceu, virou mulher, noivou, desnoivou, juntou, decidiu casar, e nada da Tati Kern. Cada vez que alguma coisa a fazia lembrar da antiga amiga, suspirava "ah, a Tati Kern". O último suspiro foi um dia desses, quando estávamos em um restaurante e passou a filha de uns amigos dos meus pais, antiga colega de colégio da Rafa: "ah, esta é a Joana, também conhecia a Tati Kern...".
Eu já não agüentava a situação e resolvi agir, fazer o que há muito tempo planejava. Liguei pra minha mãe, que me deu o telefone da Heloísa, que me deu o telefone da Maria Isabel, que é mãe da Joana e me deu o telefone da Joana, que me disse que lembrava da Tati Kern mas não tinha contato com ela, mas que a Tati Tavares deveria tê-lo.
_ Nossa, a Tati Tavares da Zero Hora? - perguntei.
_ Ela mesmo.
_ Ah, que coincidência, sou colega dela. Deixa comigo. Muuuito obrigado.
De forma que liguei pra Tati Tavares e peguei o telefone da Tati Kern. E foi com o coração a mil que liguei pra ela e disse "Tati, tu não me conhece, mas sou marido de uma grande amiga de infância tua, ela vive falando de ti, eu gostaria que vocês se encontrassem". E foi com muita felicidade que encontrei nela eco para toda a minha empolgação e combinamos de fazer uma surpresa para a Rafa.
Demorou três semanas até o encontro acontecer _ não era tão simples assim, a Tati Kern mora em São Leopoldo, é casada e tem um filhinho pequeno, é veterinária, trabalha pra caramba e vem pouco a Porto Alegre. Durante esse tempo, cheguei a sonhar com a surpresa, e falei umas quatro vezes por telefone com a Tati Kern _ vocês já notaram que eu adoro dizer Tati Kern, né? Tati Kern, muito sonoro.
Então, o grande dia chegou. Era domingo à tarde e a Rafa nervosa porque eu passara a semana toda prometendo uma surpresa. E eu nervoso porque não sabia se ficava em casa ou saía, para fazer o tempo passar até que a Tati Kern me ligasse anunciando a chegada. De forma que resolvi fazer um churrasco em casa, mesmo, para não correr o risco de estar fora quando ela chamasse.
Lá pelas 15h, toca o telefone. Era ela. Já esperava na rua. Chegava junto com os pais da Rafa, convidados pro churras. E trazia o filhote e o maridão. Mandei a Rafa sentar-se em uma cadeira e fechar os olhos. Desci suando de nervoso para abrir a porta. Incrível, mas quando vi o rosto da Tati Kern, parecia que eu mesmo a conhecia há anos. Foi mais ou menos como quando conheci a Laura, namorada do Fabiano _ mas esta história fica só para os que a conhecem.
Conduzi a Tati até o apartamento. Ela subiu pé por pé a escada até encontrar a Rafa sentada, de costas, olhos fechados. Pedi para que ela vendasse os olhos da Rafa com as próprias mãos. Seguiram-se um dos momentos mais emocionantes dos últimos tempos. A Rafa começou a tatear o rosto da amiga. O nariz, a boca, os cabelos. A Tati Kern, quieta, deixou escapar um suspiro, um respiro, produzindo um vento na nuca da Rafa e um grunhido. E a Rafa gritou: "Tati!!!!!!!!!!!! Eu não acredito!!!!!!!!!"
As duas se abraçaram forte, muito forte. Por vezes, separavam-se e voltavam a se abraçar. O mais emocionante é que se tocavam, se tateavam, como se não acreditassem na materialidade dos corpos. Eu tive de virar de costas para não ver mais a cena e não começar a chorar.
O filhinho e o marido da Tati Kern são uns queridos. Passamos uma tarde muito legal lá em casa. A Rafa e a Tati Kern conversavam com naturalidade e intimidade de quem nunca se separou. Espero que elas possam voltar a ser as amigas que eram, ainda que hoje saibam que o Axl nunca vai chegar na Rafa.
Quanto a mim, fiquei muito orgulhoso da surpresa que armei. Ainda mais quando a Tati Kern disse que, durante os dias que antecederam à surpresa, contou a várias pessoas sobre a situação e, em vez de ouvir como resposta "nossa, que legal, vais encontrar uma grande amiga perdida", ouviu sempre "nossa, como o marido da tua amiga é legal".
A propósito: agora a Tati Kern, tão avessa ao computador, já existe no mundo virtual.
terça-feira, dezembro 25, 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário