sábado, março 21, 2009

O jardim aqui de casa é bem maluco. Bem dito, não é exatamente um jardim, mas vasos de plantas e árvores plantados na cobertura. Hoje, a Rafa me acorda da sesta berrando lá de cima.
- Socoooooooorro. Sebastião. Sobe aqui. Agora! Já. Vem ver.
Meu Deus, pensei e me botei a escalar a escada, só pode ter uma cobra, uma aranha na cobertura.
- Que que houve, meu bem?
- Olha isso, que nojo, ai, socorro, que coisa nojenta, tira isso daqui.
Aproximei-me da árvore do meio, sei lá o nome, dá uma flor pequenina que atrai milhares de abelhas no verão. Dos seus galhos, saíam tentáculos moles, espécie de mini-cipós, tantos que haviam se emaranhado no chão, agarrados uns nos outros, enquanto alguns desses braços perigosamente atacavam o ficus ao lado, numa clara intenção de assassiná-lo por estrangulamento. E eu achei tudo lindo! Até os dois anos, aquela fora uma planta inocente, dava florzinhas amarelas e não incomodava. Agora, transformava-se em um monstro. Era a natureza em seu estado mais puro, bruto, novamente surpreendendo. Eu tinha na cobertura da minha casa um episódio digno de National Geographic.
- Corta. Corta, agora. Traz a tesoura! - ordenou a Rafa.
- Tu tá louca, é muito legal isso. No máximo, afasto aquele tentáculo do ficus, pobrezinho.
Não houve jeito. Era tesoura ou tesoura, ela berrava.Tentei discutir, mas então ela veio com um argumento irrefutável, apelou para seus conhecimentos técnicos de arquiteta, evocou a segurança: aqueles tentáculos poderiam enrolar-se nos fios, invadir o sistema elétrico do apartamento, do prédio, até, e provocar um incêndio (só faltou dizer "explosão") que poderia atingir os vizinhos, os edifícios ao lado, o bairro, a cidade, a nação, se Francisco esquecesse de dar o sinal! De forma que eu vi que seria absolutamente inútil contra-argumentar e deixei-a buscar a tesoura, apenas me negando a fazer o trabalho sujo com minhas próprias mãos.
Eu sou fascinado pelas coisas que acontecem no meu jardim. Uma vez colocamos um vaso de tostão - umas plantinhas com folha miúda que, dizem, traz dinheiro, o que é a maior mentira do planeta, senão eu já seria o Warren Buffet. Ocorre que os tostões espraiaram-se de maneira descontrolada, ocupando cada espaço de terra que restava nos vasos ao lado, fazendo a maior reforma agrária do Mont Serrat, reproduzindo-se até transbordar até o chão em velocidade inimaginável para o reino vegetal. Situação parecida ocorreu com as bromélias que trouxemos da fazenda do meu primo, correndo risco de multa, encarceramento por anos, perseguição de promotores malucos e ONGs ambientais, tudo isso por uma única e pobre bromélia que visivelmente vivia deprimida com sua rotina no mato. Pois esta bromélia desenvolveu-se com tanto vigor que, certo dia, sem avisar, explodiu dela uma piroca, uma espécie de pendão que avançava rumo ao alto na velocidade de dois palmos por dia, até superar a minha própria altura e interromper seu processo de desenvolvimento. Da mesma forma, do vaso da jaboticabeira saem pequenas árvores que nunca plantei e do ficus, ervas que não sei nomear. 
O que me impressiona é a forma que eu e a Rafa vemos isso tudo. Adoro esta bagunça, esta disputa de espaços, este brotar e morrer caótico. Quero ver o circo pegar fogo, os tentáculos ameaçando os ficus, a piroca desafiando as palmeiras, e assim por diante. Já a Rafa está ficando, como se diz, enervada. E ameaça chamar um jardineiro. E, meu amigo, quando um jardineiro entra na sua casa, você está em perigo. Melhor é acatar as ordens e pegar na tesoura.

4 comentários:

Anônimo disse...

Ah, não, sério que o jardim de vocês é assim? Eu já consegui matar até bromélia!!! O que vocês fazem? Não consigo manter uma planta viva! bjos
Rita

Unknown disse...

Guria, nós não fazemos nada! Nada. Mentira, uma vez botamos adubo. Mas o segredo são os tostões. Compra um vaso de tostão.

clarissa disse...

eu amei TANTO esse texto, é o melhor texto teu que já li, tião; o final, que pérola!

sebastiao disse...

ai, que alegria, clarissa, ainda mais vindo de ti, o elogio. bjo