Saiu o terceiro texto da série Perfis, a série mais arrastada da blogosfera brasileira. É só aqui, no Blógui do Tião, o blógui mais arrastado da blogosfera brasileira. O perfilado da vez é Rodrigo Moro. Aproveito para republicar os dois capítulos anteriores. A propósito, o primeiro saiu em janeiro de 2006.
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Rodrigo Moro (Nov/2009)
Rodrigo Moro parecia uma varilha. Era alto e magro. E ainda andava (não se sabe se por mania ou malformação) na ponta dos pés. Sempre. No colégio, o chamavam de bailarina. De onde eu tirei isso? Bom, se não o chamavam, deveriam tê-lo feito. Eu morava no 401 do Torremolinos; ele, no 501. Era meu grande amigo. A mãe dele se chamava Céu. Ou Sol, não lembro. Sul é que não era. O pai trabalhava na Souza Cruz. E era perito. Mil vezes perguntei o que fazia um perito, mil vezes o Rodrigo não soube explicar. Hoje, minha mulher é perita (até mesa de sinuca já periciou). Meu vizinho chegou no prédio, devia ter uns sete anos de idade. Veio com a família de São Paulo. Falava seteinta e torcia pro Curinga. A gente brincava de Comandos (em Ação, claro). Jogava Atari, Master System, MSX, futebol e botão. Não demoramos a integrar o clã da Aurélio Bit, com Marcelinho, Felipe, Dézinho, Kessler, Fernandinho. Um dia saí no tapa com o Rodrigo. Nunca fui bom de briga. Ele me derrubou com um chute no saco. Reclamei: nas bolas não vale! Dããããã, como assim não vale?, deixa de ser mongolão, me disse o irmão do Rodrigo, Serginho, que, por sinal, aos 12 anos já media 1,90m e fazia a barba com gilete. Subi brabo pra minha casa disposto a nunca mais falar com os Moro. Passei seis meses (ou seriam seis semanas?) sem os ver. Louco de saudade e louco de orgulho. Numa tarde, a campainha lá de casa bateu. Abri. Era o Rodrigo, na ponta dos pés, cara de cachorro pidão. Nunca vou esquecer da cena. Ele só me perguntou: vamos brincar de Comandos? Como se a gente nunca tivesse brigado, como se tê-lo à minha porta não me inundasse de alegria, como se a situação não me tirasse um puta peso das costas, apenas respondi: vamos. E brincamos. Por muitos e muitos anos. Até ele se mudar de volta para São Paulo. Isso faz uns 18 anos. Desde então, nunca mais o vi.
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João Pedro (Jan/2009)
João Pedro era ranhento, a cara sempre borrada de preto, mistura de ranho e terra amealhada no pátio de casa, nas caixas de areia, no barranco do Ipa. Andava todo esfarrapado, molambento, de camiseta branca, sempre suja, às vezes rasgada. Tinha tudo para ser uma criança linda, loirinho, bonitinho, mas também não calhava de pentear o cabelo. E era bagaceiro que só.
Morava numa casa rodeada por um baita muro lá na rua Silveiro, altos do morro Santa Tereza. O pátio tinha um cachorrão e mais desafios que um campo de paintball, ao menos lá de baixo, de onde as crianças viam tudo, assim parecia. Na varanda, havia um alvo onde adorávamos jogar dardos, brincadeira de gente grande. Não lembro bem, mas acho que a família dele era meio bagunçada, de uma bagunça comovente. Pelo menos o irmão mais velho, o João Cláudio, colega do Bento, era um cara atrapalhado.
João Pedro estudou comigo na pré-escola. Vivíamos juntos. Até que deixamos o IPA para começar a primeira série. Cada um para o seu lado, paramos de se ver, de se telefonar. Eu fui para o Aplicação e ele não lembro. Só sei que uns anos depois estudou no Instituto de Educação, ao lado do meu colégio. Às vezes passava pelo nosso pátio. Quando o via, eu corria para a tela que cercava a cancha de futebol. Conversávamos como amigos que jamais tinham se separado. Mas não trocávamos telefonemas nem nada.
Nunca esqueci o João Pedro. Quando meu filho nasceu, quis batizá-lo com o nome do meu colega. A Rafa achou melhor não, o guri já ia ter muito sobrenome. Ficou só João mesmo, o único entre todos os nomes do mundo que agradava a nós dois. Há uns anos, o Bento contou-me que uma ex-namorada dele disse que era colega do meu velho companheiro na faculdade de medicina. Deve ser médico, o João Pedro. Decerto já sabe assoar o nariz. Ao menos para entrar na sala de cirurgia.
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Winnie (Jan/2006)
Winnie tinha seis anos e cabelos angelicais. Era um doce de criança, um narizinho de batata misturado com ricos cachinhos louros. Morava com a mãe, a tia e a avó - todas muito insanas e muito bacanas - em um sobrado de classe média em um bairro de classe alta de Niterói. Era prima da minha então namorada Rebeca, com a família de quem passávamos uns dias no litoral carioca.
Foi me ver e Winnie se apaixonou por mim. Acho que com ela aprendi a gostar de crianças. Por causa dela, me dei conta que eu então já era um tio para a piazada. Pela primeira vez, estava mais para pai do que para irmão.
Não lembro bem como ela gostava de mim, as coisas que dizia. Sei que estava sempre às voltas, me convidava para brincar de boneca, pulava no colo, conversava, conversava, conversava e fazia bagunça na praia. Eu a levava para tomar banho de mar, ameaçava deixá-la sozinha no fundão. Ela andava na minha garupa na areia. Eu perguntava sobre bonecas e sobre brinquedos e fazia esforço para educá-la.
De repente, aquela menina, cujo súbito amor por mim impressionou a todos, passou a me odiar. Ódio mortal. Por nada. A família não entendeu. Eu tampouco. Fiquei muito constrangido, porque parecia que eu tinha maltratado o anjinho às escondidas. E não havia jeito de reconquistar a guriazinha. Quando fomos embora e ela tinha de voltar para o seu quarto - de onde temporariamente foi desalojada para dar lugar aos hóspedes - se negou.
- Só volto se alguém passar um aspirador pra tirar vermes deste quarto - disse no seu adorável sotaque carioca, externando todo o nojo que passou a nutrir por mim.
Nunca mais via a Winnie. Final do ano passado, me mostraram uma foto dela na formatura da Rebeca. Uma linda mulher de 16 anos, com um chapéu de caubói, e fazendo pose de sem-vergonha. Adorável e perigosa Winnie.
domingo, novembro 29, 2009
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