O telefone tocou. Fixo. De disco. Decerto, nem tinha
celular. Ou tinha e a gente não usava. Ou tinha e não pegava em Torres. Pra lá,
a comunicação era no 664.
- Ahn?
- Sébi? Como é que tão as coisas?
- Ahn? Ah, bem... Bem... Hmmm...
- E a confusão?
- Oi? Que confusão?
- Não ouviu nada? O Português se matou. Matou a mulher. Aí
na casa da frente. Todo mundo falando. Tá no rádio.
- Peraí.
A casa estava escura só os feixes da luz passando pela
persiana, sempre fechada. Podia ser 8h, 9h, 10h...14h, 15h... Atravessei a
sala, abri a porta, o sol cegou, fechei os olhos, abri, fechei, abri, fechei, a
cachola latejando. Tinha polícia, IML, o escambau. O coração acelerou. Acordei.
Voltei pro telefone.
- Diz que ele atirou nela e...blablabla
- Beijo. Vou ver.
Que jornalista de merda sou eu. Tiros na minha janela,
quantos? Um, dois três, dez? E eu dormindo. Minha Pentax na mesa de cabeceira. Agarrei
a câmera e saí correndo. Abri e porta, vi os polícias retirando o corpo. Parei.
Dei um passo pra dentro de casa, atirei a câmera no sofá, fui até a cozinha,
peguei um pão-de-minuto do Farol, saí, tranquei a porta, cruzei pelos curiosos
aglomerados na calçada, atravessei a rua, adentrei a praia,como sempre, o sol
agredindo a vista, como sempre, a areia queimando a sola, como sempre, a
corrida até o mar, como sempre, e o mergulho na primeira onda, como sempre... Depois,
vinte minutos de caminhada até os Molhes, a cachaça saindo pelos poros, a
primeira cerveja na barraca do Fabiano, e então, de repente, como sempre, a cabeça
já não mais dia, o esôfago já não mais ardia, a luz do sol já não machucava.
Guardo até hoje o negativo daquele verão. Contra a luz do
abajur, revejo o tombo da Maria no luau de Itapeva, o finado Roberto descendo o
escorregador da cachoeira de pé, um detalhe do paralelepípedo das ruas de
Torres... E só. E já era demais. Muito
mais do que eu poderia imaginar.
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