Por que, Teodora - PARTE FINAL
As coisas só começaram a se complicar na minha vida faz oito meses. Foi quando a Dona Leonora me chamou pra uma conversa séria, e eu já senti, Teodora a gente gosta muito de ti mas o João Pedro já tá com seis aninhos vai pra escola ano que vem não tem mais sentido tu aqui conosco e agora também tu já ta pra terminar o colégio fica aqui até novembro e depois tu procura outra coisa a gente vê uma graninha pra tu agüentar uns dois meses muito obrigada pelo carinho que tu sempre deu pro nosso filho e bláblábláblá.
Em novembro, eu fui embora. Chorei ao me despedir do João Pedro. A Deise disse que eu podia passar uns dias na casa dela, até o vestibular. Seguiram-se dois meses de disciplina rígida, as manhãs inteiras estudando, mil palavras que eu nunca tinha ouvido falar nas apostilas que comprei numa banca de revistas, eu decorando aquela bobajada toda até uma da tarde. Uma e meia eu já me tocava pra rua, atrás de emprego, mas no Sine diziam que só tinha vagas para operador de telemarketing, cheguei a ir a quatro entrevistas, mas as firmas não me quiseram porque eu “tinha o sotaque muito carregado”.
O vestibular foi em janeiro. Na Ufrgs, a prova foi em um coleginho menor do que eu estudava lá em Canguçu, um calorão desgraçado, tinha de marcar uma tabelinha complicada com lápis, umas perguntas malucas, me atrapalhei toda, saí arrasada. Na Ulbra, foi lá em Canoas mesmo, cada prédio que só vendo, eu me sentindo toda importante, até entender as perguntas eu consegui, caiu um monte de coisas que tavam na apostila. Fui até a Ufrgs conferir o listão só por ir mesmo, mas o da Ulbra fiquei escutando no rádio, a Deise do lado. Primeiro foi aquela tristeza porque o nome dela não saiu, e depois eu nervosa, coçando a cabeça feito bugio, até o T, até o cara dizer Teodora Santana de Oliveira e eu começar chorar feito criança, mãe tu tinha que estar viva pra ver Teodora tua filha Pedagoga Teodora Santana de Oliveira Pe-da-go-ga mãe mãe mãe. Depois desse papelão, comecei a escrever uma carta pro pai, lá fora, ia pedir dinheiro, mas como?, se eles mal têm para comer, melhor não, melhor rasgar o papel, continuar a chorar, mas agora de tristeza. Da euforia, caí na desilusão, e dois dias depois da história do vestibular a Deise disse que eu tinha que sair, mas que não ia me deixar mal, me apresentaria uma amiga e ela daria um jeito de me ajudar.
Faz uns três meses que ela me apresentou a Letícia e que a Letícia me trouxe para morar aqui. Confesso que ainda não acostumei, as coisas são meio loucas, este lugar mexeu demais com minha vida. Vivo com a cabeça longe, as lembranças da roça estão mais presentes do que nunca. Agora mesmo meus pensamentos estão fixos no estábulo, o tarro cheio só até a metade, a dor insuportável nas mãos, mas também o shhhhhh do leite no copo com açúcar, o bigode branco. Já deve fazer uns cinco minutos que essas cenas não saem da minha cabeça. Desde que este cliente teve a delicadeza de me perguntar:
- Olha, me explica uma coisa: por que toda puta tem as mãos grossas?
E eu ainda respondi:
- É da academia, amor, é da academia...
sexta-feira, outubro 26, 2007
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